II. Nicolau Maquiavel (1469-1527) e busca de poder como um fim em si mesmo.

Introdução

Niccolò de Bernardo dei Machiavelli, nascido em 1469 e falecido 1527, é uma figura central na transição para o pensamento antigo e medieval para o político moderno.

Viveu na Florença renascentista, um período de instabilidade política, rivalidades entre cidades-Estado, invasões estrangeiras e o declínio da política teocêntrica medieval.

Serviu como diplomata e secretário na República Florentina. Testemunhou a ascensão e queda de líderes como César Bórgia e a família Médici.

Exilado após o retorno dos Médici, durante o qual escreveu O Príncipe (1513) e Discursos sobre Tito Lívio.

Figura 10. Niccolo Macchiavelli

Autor: Lorenzo Bartollini (1777-1850)

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Niccolo_Machiavelli_uffizi.jpg

Com sua visão de poder como um fim em si mesmo, distinto de considerações morais ou divinas, moldou a forma de ver o poder para algumas das correntes ideológicas, distanciando-o da busca do bem comum, típicas das estruturas morais tradicionais (por exemplo, a lei divina de Tomás de Aquino), defendendo que a aquisição e a manutenção do poder justificam os meios.

Ideias Políticas Centrais: O Poder como Objetivo Final

O Príncipe:

A tese central de Maquiavel é que uma governança eficaz prioriza a virtù (habilidade, astúcia, adaptabilidade) e a fortuna (sorte, acaso) em detrimento da virtude moral. O poder é um fim em si mesmo, não um meio para o bem divino ou comunitário (em contraste com Tomás de Aquino ou Agostinho).

É famosa sua máxima: “É melhor ser temido do que amado, se não se pode ser ambos” (O Príncipe, Capítulo XVII).

Virtú e fortuna

Machiavelli introduz conceitos que desafiam a ética política tradicional:

Virtù: A habilidade de um governante para moldar eventos por meio de astúcia, coragem e adaptabilidade. Não é virtude moral, mas competência prática. César Bórgia, com sua capacidade de unificar a Romanha através de táticas implacáveis, é o exemplo paradigmático de virtù.

Fortuna: A sorte ou o acaso, comparada a um rio torrencial que pode devastar ou ser controlado por diques. Um governante sábio usa a virtù para domar a fortuna, como um líder que prepara defesas antes de uma crise (O Príncipe, Capítulo XXV).

Justificação dos Meios:

Os fins (estabilidade, poder) justificam meios moralmente questionáveis ​​(engano, violência, traição), citando como exemplo as táticas implacáveis ​​de César Bórgia como modelo de governo eficaz.

Rejeição do Idealismo:

Crítica à governança utópica ou moralmente orientada (por exemplo, o rei-filósofo de Platão ou a ética cristã).

Ênfase na natureza humana como egoísta e propensa a conflitos, exigindo uma liderança forte e pragmática.

O Papel da Mentira:

Os governantes devem parecer virtuosos, agindo implacavelmente quando necessário (metáfora da “raposa e do leão”, O Príncipe, Capítulo XVIII). A percepção pública (aparência de virtude) é tão crucial quanto o poder real.

A mentira como método
Em conhecido vídeo, o Presidente do Brasil Luiz Ignácio Lula da Silva afirmou:
“Eu cansei de viajar o mundo falando mal do Brasil. Era bonito a gente viajar o mundo falando ‘no Brasil tem 30 milhões de crianças de rua’. A gente nem sabia, ‘tem não sei quantos milhões de abortos’. A gente ia citando números, sabe? Se o cara perguntasse a fonte a gente não tinha, mas a gente ia citando números”
(https://x.com/i/status/1640411264533839879)

Características do governante ideal, segundo Maquiavel

O governante ideal de Maquiavel é uma figura pragmática e adaptável que domina a virtù para controlar a fortuna. Principais características incluem:

  • Disposição para usar a crueldade e a misericórdia estrategicamente (ex.: Capítulo 17: é melhor ser temido do que amado, mas evite o ódio).
  • Capacidade de enganar quando necessário (ex.: Capítulo 18: parecer virtuoso, mas agir de forma diferente, se necessário).
  • Ousadia em aproveitar oportunidades (ex.: Capítulo 6: conquistadores como Moisés ou Rômulo que moldam seu próprio destino).
  • Foco na estabilidade e no poder, mesmo a um custo moral (ex.: Capítulo 8: “crueldade bem usada” para prevenir a desordem).
Game of Thrones
O seriado Game of Thrones é uma extraordinária fonte de aprendizado sobre política. Em um dos episódios há o seguinte diálogo entre dois dos mais interessantes personagens da trama, Lord Varys e Petyr “Mindinho” Baelish.
Petyr Baelish, um mestre na manipulação, é a própria personificação do legado de Machiavel, sempre tramando em busca de poder. Do outro lado, Lord Varys procura sempre atuar na defensa do que acredita ser melhor para reino e para o bem comum, simbolizando a governança altruista.
Ao se encontrarem na sala do trono, construído com as mil lâminas dos derrotados por Aegon o conquistador, começa a conversa. Baelish se vangloria de como obrigou a jovem Sansa Stark a se casar contra sua vontade com o anão Tyrion Lanister e como, sem escrúpulos, entregou uma informante de Lord Varys para ser morta pelo Rei Joffery Baratheon a flechadas. Após, revela seu entendimento sobre o jogo de poder:
(…)
Petyr “Mindinho” Baelish: Você tem toda a razão. Por exemplo, quando frustrei seu plano de entregar Sansa Stark aos Tyrell, para ser sincero, senti uma inconfundível sensação de prazer. Mas sua confidente, aquela que lhe deu informações sobre meus planos, aquela que você jurou proteger… você não lhe trouxe nenhum prazer, e ela não me trouxe nenhum
Lord Varys: Eu fiz o que fiz pelo bem do reino.
Petyr ‘Mindinho’ Baelish: O reino. Você sabe qual é o reino? São as mil lâminas dos inimigos de Aegon, uma história que concordamos em contar uns aos outros continuamente, até esquecermos que é mentira.
Lord Varys: Mas o que nos resta, uma vez que abandonamos a mentira? Caos? Um poço aberto esperando para engolir todos nós.
Petyr ‘Mindinho’ Baelish: O caos não é um poço. O caos é uma escada. Muitos que tentam escalá-lo falham e nunca mais tentam. A queda os quebra. E alguns têm a chance de escalar. Eles recusam, apegam-se ao reino, aos deuses ou ao amor. Ilusões. Somente a escada é real. A subida é tudo que existe.
(…)
Uma lição machiavélica adicional de Petyr Belish que não pode ser menosprezada é que aqueles que aspiram ao poder a qualquer custo desejam (e, muitas vezes, trabalham para) o caos. Para eles, o caos é uma escada… 

Maquiavel no Diagrama Circular das Mentalidades Políticas

Alinhamento Primário: Radical Estatista

O foco de Maquiavel no poder centralizado, no controle e na supressão da oposição alinha-se com as tendências radicais estatistas, como visto em figuras posteriores como Mussolini e Hitler.

Seu pragmatismo amoral prenuncia a priorização do poder pelo Estado totalizador sobre as liberdades individuais.

Contudo, de um lado, a valorização da ordem e da liderança forte ecoa em regimes conservadores autoritários, como a Espanha de Franco, que priorizaram estabilidade sobre liberdades.

De outro lado, a disposição de usar meios revolucionários para alcançar fins políticos ressoa nos grupos esquerdistas radicais, com táticas de vanguardas como as de Lênin.

Oposição aos Clássicos Liberais:

Sua ênfase na estabilidade acima das liberdades individuais o coloca em oposição direta aos liberais clássicos, que valorizam direitos naturais e governo limitado.

Fluidez entre Mentalidades:

As ideias de Maquiavel influenciam uma gama de mentalidades, desde regimes autoritários até estratégias liberais pragmáticas, especialmente dos que perderam seus referenciais morais, refletindo a interconexão do diagrama.

Pontos Principais

  • Machiavelli prioriza a eficácia política sobre a moralidade, defendendo que o poder justifica meios como engano e crueldade.
  • No diagrama circular, ele se alinha com estatistas radicais, oposto aos liberais clássicos, mas influencia diversas mentalidades.

Textos Selecionados

Nicolau Maquiavel. O Príncipe. Edição Ridendo Castigat Mores. eBooksBrasil.com.

17 Crueldade e compaixão. Se é melhor ser temido ou amado

Continuando com nossa lista de qualidades, tenho certeza de que todo líder desejaria ser visto como compassivo em vez de cruel. Mesmo assim, ele deve ter cuidado para não usar sua compaixão de forma imprudente. César Bórgia era considerado cruel, mas sua crueldade restaurou a ordem na Romanha e a uniu, tornando a região pacífica e leal. Pensando bem, ele era muito mais compassivo do que os florentinos, cuja relutância em serem considerados cruéis levou ao desastre em Pistoia. Um governante não deve se preocupar em ser rotulado de cruel quando se trata de manter seus súditos leais e unidos; usando um pouco de severidade exemplar, ele se mostrará mais compassivo do que o líder cuja compaixão excessiva leva à desordem pública, assaltos e assassinatos. Esse tipo de problema tende a prejudicar a todos, enquanto as sentenças de morte que um governante aplica afetam apenas os indivíduos envolvidos. Mas, de todos os governantes, um homem recém-chegado ao poder simplesmente não pode evitar a reputação de cruel, já que um estado recém-conquistado é um lugar muito perigoso. Virgílio coloca estas palavras na boca da Rainha Dido:

A difícil situação e a novidade do meu reino

Forçam-me a fazer estas coisas e guardem minhas fronteiras em todos os lugares.*

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*Res dura, et regni novitas me talia cogunt

Moliri, et late fines custode tueri.

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Mesmo assim, um líder deve pensar cuidadosamente antes de acreditar e responder a certas alegações e não se assustar à toa. Ele deve agir com frieza, cautela e humanidade: se confiar demais, ficará descuidado, e se não confiar em ninguém, se tornará insuportável.

Essas reflexões suscitam a pergunta: é melhor ser amado do que temido, ou vice-versa? A resposta é que se prefere ser ambos, mas, como não combinam facilmente, se você tiver que escolher, é muito mais seguro ser temido do que amado. Podemos dizer o mesmo da maioria das pessoas: que são ingratas e pouco confiáveis; mentem, fingem, são gananciosas por dinheiro e se derretem diante do perigo. Contanto que você seja generoso e, como eu disse antes, não esteja em perigo imediato, todos eles estão do seu lado: derramariam o sangue por você, dariam seus pertences, suas vidas, seus filhos. Mas quando você precisa deles, eles lhe viram as costas. O governante que confiou inteiramente em suas promessas e não tomou outras precauções está perdido. A amizade que tem um preço, e não porque as pessoas admiram seu espírito e suas realizações, pode de fato ter sido paga, mas isso não significa que você realmente a possua e certamente não poderá contar com ela quando precisar. Os homens se preocupam menos em decepcionar alguém que se fez amar do que alguém que se faz temido. O amor une quando alguém reconhece que deveria ser grato a você, mas, como os homens são um grupo triste, a gratidão é esquecida no momento em que se torna inconveniente. Medo significa medo de punição, e isso é algo que as pessoas nunca esquecem.

Ainda assim, embora um governante não possa esperar inspirar amor ao se fazer temido, ele deve evitar despertar ódio. Na verdade, ser temido é perfeitamente compatível com não ser odiado. E um governante não será odiado se mantiver suas mãos longe da propriedade de seus súditos e de suas mulheres. Se ele realmente precisa executar alguém, só deve fazê-lo quando tiver justificativa adequada e causa manifesta. Acima de tudo, ele não deve se apoderar dos bens alheios. Um homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda de sua herança. É claro que sempre há motivos para se apropriar dos bens alheios, e um governante que começou a viver dessa maneira nunca lhe faltará pretextos para se apropriar de mais. Por outro lado, os motivos para executar um homem são mais raros e passam mais rapidamente.

Mas quando um governante lidera seu exército e comanda um grande número de soldados, acima de tudo, ele não deve ter escrúpulos em adquirir a reputação de cruel; caso contrário, será completamente impossível manter o exército unido e apto para o combate. Uma das conquistas mais admiráveis ​​de Aníbal foi que, apesar de liderar um exército enorme e decididamente multirracial longe de casa, nunca houve qualquer dissidência entre os homens ou rebelião contra seu líder, seja na vitória ou na derrota. A única explicação possível para isso era a tremenda crueldade de Aníbal, que, juntamente com suas inúmeras qualidades positivas, significava que seus soldados sempre o admiravam com respeito e terror. As qualidades positivas sem a crueldade não teriam produzido o mesmo efeito. Os historiadores simplesmente não estão pensando quando o elogiam por essa conquista e depois o condenam pela crueldade que a tornou possível.

Para mostrar que as outras qualidades de Aníbal não teriam feito o trabalho sozinhas, podemos tomar o caso de Cipião, cujo exército se amotinou na Espanha. Cipião foi um comandante extremamente raro, não apenas em sua época, mas em toda a história registrada. No entanto, ele era muito tranquilo e, como resultado, concedia às suas tropas uma liberdade que dificilmente contribuía para a disciplina militar. Fábio Máximo o condenou por isso no Senado, alegando que ele havia corrompido o exército romano. Quando um de seus oficiais saqueou a cidade de Locri, Cipião novamente demonstrou clemência; não realizou represálias em nome dos habitantes da cidade e não puniu a presunção do oficial, tanto que alguém que o defendia no Senado comentou que ele era um daqueles muitos homens que não cometem erros, mas têm dificuldade em punir os que cometem. Se Cipião tivesse continuado a liderar seus exércitos dessa forma, com o tempo seu temperamento teria minado sua fama e diminuído sua glória, mas, como ele recebia ordens do Senado, sua falha não apenas foi acobertada, como também, na verdade, fortaleceu sua reputação.

Voltando, então, à questão de ser temido ou amado, minha conclusão é que, uma vez que as pessoas decidem por si mesmas se amam ou não um governante, enquanto é o governante quem decide se elas vão temê-lo, um homem sensato baseará seu poder naquilo que controla, não naquilo que os outros têm liberdade de escolher. Mas ele deve tomar cuidado, como eu disse, para que as pessoas não o odeiem.

25 O papel da sorte nos assuntos humanos e como se defender dela

Sei que muitas pessoas acreditaram e ainda acreditam que o mundo é governado por Deus e pela sorte e que, por mais astutos que sejam os homens, nada podem fazer a respeito e não têm como se proteger. Como resultado, podem decidir que não vale a pena se esforçar e simplesmente deixar os acontecimentos ao acaso. Essa atitude é mais prevalente hoje em dia, devido às enormes mudanças que testemunhamos e ainda testemunhamos todos os dias, coisas que ninguém poderia ter previsto. Às vezes, pensando bem, eu mesmo me inclinei um pouco para esse lado.

Mesmo assim, e para não abrir mão do nosso livre-arbítrio, acredito que pode ser verdade que a sorte decide metade do que fazemos, mas deixa a outra metade, mais ou menos, para nós. É como um daqueles rios caudalosos que às vezes nascem e inundam a planície, derrubando árvores e prédios, arrastando terra de um lugar e despejando em outro. Todos correm para se proteger, ninguém consegue resistir à correnteza, não há como pará-la. Ainda assim, o fato de um rio ser assim não nos impede de nos prepararmos para problemas quando os níveis estão baixos, construindo diques e barragens, para que, quando a água subir novamente, possa ser contida em um único canal e a correnteza do rio na enchente não seja tão descontrolada e destrutiva.

A fortuna é a mesma. Ela mostra seu poder onde ninguém tomou medidas para contê-la, inundando lugares onde não encontra barragens nem diques que possam contê-la. E se você olhar para a Itália, que tem sido tanto o palco de mudanças revolucionárias quanto o agente que as desencadeou, verá que é uma terra sem barragens nem diques para protegê-la. Se o país tivesse sido devidamente protegido, como a Alemanha, a Espanha e a França, a enchente não teria tido efeitos tão drásticos ou nem teria acontecido.

Acho que isso é tudo o que precisa ser dito em termos gerais sobre como lidar com o problema da sorte.

Entrando em detalhes, porém, todos nós já vimos como um governante pode estar indo bem um dia e, no dia seguinte, perder o poder sem nenhuma mudança aparente em seu caráter ou qualidades. Acredito que isso se deve principalmente à atitude que mencionei acima: ou seja, o governante confia inteiramente na sorte e entra em colapso quando ela muda. Também estou convencido de que o governante bem-sucedido é aquele que se adapta às mudanças dos tempos; enquanto o líder que fracassa o faz porque sua abordagem está em desacordo com as circunstâncias.

Todos os homens desejam glória e riqueza, mas buscam atingir esses objetivos de maneiras diferentes. Alguns são cautelosos, outros impulsivos; alguns usam a violência, outros a sutileza; alguns são pacientes, outros exatamente o oposto. E todas essas diferentes abordagens podem ser bem-sucedidas. Também é verdade que dois homens podem ser cautelosos, mas com resultados diferentes: um é bem-sucedido e o outro fracassa. Ou, novamente, você vê dois homens sendo igualmente bem-sucedidos, mas com abordagens diferentes, um cauteloso, o outro impulsivo. Isso depende inteiramente de se a abordagem deles é adequada às circunstâncias, o que, por sua vez, é o motivo pelo qual, como eu disse, dois homens com abordagens diferentes podem ter sucesso, enquanto, de dois com a mesma abordagem, um pode ter sucesso e o outro não.

Isso explica por que a sorte das pessoas oscila. Se alguém se comporta com cautela e paciência, e os tempos e as circunstâncias são tais que a abordagem funciona, ele terá sucesso. Mas se os tempos e as circunstâncias mudam, tudo dá errado para ele, porque ele não mudou sua abordagem para corresponder. Você não encontrará ninguém astuto o suficiente para adaptar seu caráter dessa forma, em parte porque não se pode alterar sua inclinação natural e em parte porque, se uma pessoa sempre teve sucesso com uma abordagem específica, não será facilmente persuadida a abandoná-la. Portanto, quando chega a hora de o homem cauteloso agir impulsivamente, ele não consegue, e se desequilibra. Se ele mudasse de personalidade de acordo com os tempos e as circunstâncias, sua sorte se manteria estável.

O Papa Júlio II sempre agiu impulsivamente e viveu em tempos e circunstâncias tão adequados a essa abordagem que as coisas sempre lhe correram bem. Pense em sua primeira conquista, tomar Bolonha enquanto Giovanni Bentivoglio ainda estava vivo. Os venezianos eram contra a ideia, assim como o rei da Espanha, e Júlio ainda negociava o assunto com os franceses. Mesmo assim, com sua ferocidade e impetuosidade habituais, o papa partiu e liderou pessoalmente a expedição. Isso colocou os venezianos e os espanhóis em um dilema, e eles não conseguiram reagir: os venezianos, por medo, e os espanhóis, porque esperavam recuperar todo o Reino de Nápoles. Enquanto isso, o rei da França foi trazido a bordo: ele precisava de Roma como aliada para conter os venezianos e decidiu que, uma vez que Júlio tivesse feito sua jogada, não poderia negar-lhe apoio armado sem desprezá-lo de forma muito óbvia.

Com essa decisão impulsiva, então, Júlio conseguiu mais do que qualquer outro papa com todo o bom senso do mundo jamais teria conseguido. Se tivesse esperado para ter tudo organizado e negociado antes de deixar Roma, como qualquer outro papa teria feito, o plano nunca teria funcionado. O rei da França teria inventado inúmeras desculpas, e os venezianos e os espanhóis, inúmeras advertências. Não quero entrar nas outras campanhas de Júlio, que foram todas do mesmo tipo e bem-sucedidas. Sua morte prematura o poupou da experiência do fracasso. Porque se os tempos tivessem mudado e as circunstâncias exigissem cautela, ele estaria acabado. O homem jamais teria mudado seus hábitos, pois eram naturais para ele.

Para concluir então: a sorte varia, mas os homens seguem em frente independentemente. Quando sua abordagem se adequa à época, eles são bem-sucedidos, e quando não, não são. Minha opinião sobre o assunto é esta: é melhor ser impulsivo do que cauteloso; a sorte é feminina e, se você quiser ficar em cima dela, precisa dar tapas e estocadas. Você verá que ela tem mais probabilidade de ceder dessa maneira do que a homens que a tratam com frieza. E, sendo mulher, ela gosta de seus homens jovens, porque eles não são tão cautelosos, são mais selvagens e ousados ​​quando a dominam.

Algumas perguntas para reflexão:

  1. Quais os fins pretendidos por Maquiavel? Quem define quais fins justificam os meios?
  2. Em um ambiente complicado ou complexo, com muitos atores interferindo sem que tenhamos como conhecer quais são suas ações e reais intenções e, portanto, com baixa previsibilidade dos resultados das ações individuais (mesmo que seja o governante), é razoável um julgamento de um indivíduo (o governante) com base apenas nos resultados, desconsiderando o caráter das ações?
  3. Qual o tipo de pessoa prefere ser temida que amada? Ele será um bom líder? É esse o tipo de liderança que desejamos? Em quais circunstâncias estamos dispostos a sermos liderados por alguém com esse perfil?
  4. Em que situações a abordagem amoral de Maquiavel pode ser justificada? Há limites éticos que um governante não deveria cruzar, mesmo em nome da estabilidade?
  5. A visão de Maquiavel sobre a natureza humana (egoísta e volúvel) é realista ou excessivamente pessimista? As pessoas comuns são como ele descreve ou os governantes são assim?
  6. Em que ambiente as lições de Maquiavel parecem ser mais pertinentes? Compare um regime instável e caótico com um regime de estabilidade democrática?
  7. Será que governantes que estão dispostos a qualquer ação necessária para tomar o poder precisam das lições de Maquiavel?
  8. Os cursos de ciência política geralmente se inicial com Machiavel destacando sua importância para o pensamento político que classificam como moderno. Considerando a importância de autores clássicos para os liberais clássicos e conservadores moderados e considerando o enraizamento da mentalidade maquiavélica no pensamento da esquerda radical, essa preferência seria um reflexo do esquerdismo dos autores dessa disciplina e/ou de falta de honestidade intelectual?

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