
Edmund Burke, estadista e filósofo britânico nascido na Irlanda (1729-1797), serviu na Câmara dos Comuns britânica e é mais conhecido por sua oposição à Revolução Francesa. Reflexões sobre a Revolução na França (1790), de Burke, é uma obra seminal em filosofia política e um pilar do conservadorismo moderno. Escrito como uma resposta à Revolução Francesa e ao entusiasmo revolucionário, Burke articula uma crítica à mudança radical e uma defesa da tradição, da reforma gradual e da sabedoria prática.
Figura: Edmund Burke

Fonte: Source: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EdmundBurke1771.jpg
Reflexões foi inicialmente composta como uma carta, ostensivamente endereçada a um correspondente francês, mas com o objetivo de influenciar o público britânico, que ele temia que pudesse imitar as políticas radicais da revolução. A obra gerou debates significativos e continua sendo um texto clássico em teoria política, história e literatura.
Ideias Principais e Explicação Detalhada
- Conservadorismo e Tradição:
- Burke é amplamente considerado o pai do conservadorismo moderno, transformando o tradicionalismo em uma filosofia política autoconsciente. Ele argumenta que a sociedade e o governo devem se basear em tradições e instituições herdadas, como se vê em seus elogios à Constituição Britânica, que evoluiu gradualmente ao longo da experiência histórica.
- Ele enfatiza o papel do “preconceito” (adesão a valores tradicionais sem base racional) como uma força estabilizadora, afirmando que “[o preconceito] transforma a virtude de um homem em seu hábito”, inspirando-se no “banco e capital geral das nações e eras”. Isso reflete sua crença de que as tradições incorporam a sabedoria coletiva, proporcionando estabilidade e continuidade.
- Crítica à Revolução Francesa:
- Burke se opõe veementemente à Revolução Francesa, vendo-a como um experimento perigoso baseado em ideais abstratos como liberdade, igualdade e os “direitos do homem”. Ele argumenta que esses princípios ignoram as complexidades da natureza humana e da sociedade, levando ao caos e, eventualmente, à tirania.
- Ele prevê que a rejeição da tradição pela revolução dissolveria as “ilusões agradáveis” e a “imaginação moral” que sustentam a civilização, resultando em uma sociedade governada pela força, como o assassinato preventivo e o confisco. Sua previsão de uma ditadura militar, concretizada pela ascensão de Napoleão em 18 de Brumário (dois anos após a morte de Burke em 1797), reforça sua visão.
- Reforma Gradual vs. Mudança Radical:
- Burke defende uma reforma constitucional gradual, em vez de uma sublevação revolucionária. Ele acredita que os sistemas políticos devem evoluir por meio da experiência prática e de precedentes históricos, e não de mudanças repentinas e radicais baseadas em ideais teóricos.
- Ele contrasta a Revolução Francesa com a Revolução Gloriosa Britânica de 1688, que ele apoiou como uma reforma legítima que preservou as tradições e instituições existentes, ao mesmo tempo em que abordava queixas específicas. Isso reflete sua crença de que a mudança deve ser gradual, baseada no que funciona.
- Direitos e Deveres:
- Burke rejeita a noção de direitos abstratos e universais, vendo-os como separados de aspectos históricos e culturais. contextos. Em vez disso, ele argumenta que os direitos são “heranças inerentes” dos antepassados, incorporadas em tradições específicas como a Magna Carta e a Declaração de Direitos.
- Ele insiste que os direitos vêm com deveres correspondentes e não são absolutos, afirmando que “não há direitos sem deveres correspondentes ou sem algumas qualificações estritas”. Isso reflete sua visão de que os direitos são benefícios práticos derivados de viver em uma sociedade bem organizada, não direitos universais.
- Sociedade como Parceria:
- Burke descreve a sociedade como uma “parceria em todas as ciências; uma parceria em todas as artes; uma parceria em todas as virtudes e em toda a perfeição”, entre os vivos, os mortos e aqueles que ainda não nasceram. Essa parceria não é um contrato temporário, mas uma conexão contínua entre gerações, enfatizando a importância de preservar as tradições para o futuro.
- Ele escreveu a famosa frase: “Pessoas que nunca olham para trás, para seus ancestrais, não olharão para a posteridade”, destacando a responsabilidade intergeracional de manter a continuidade social.
- O Papel dos Costumes, da Religião e da Imaginação Moral:
- Burke destaca a importância dos costumes, da religião e da imaginação moral na manutenção da ordem social e da civilização. Ele acredita que esses elementos, frequentemente associados à aristocracia e ao clero, fornecem uma estrutura para a virtude e o aprendizado.
- Ele alerta que a rejeição dessas tradições pela Revolução Francesa levaria a uma “multidão suína” e à degradação do aprendizado, com a civilização europeia dependendo do “espírito de um cavalheiro e da religião”.
- Praticidade em vez da Teoria:
- Burke prioriza a sabedoria prática e as lições da história em detrimento de teorias filosóficas abstratas. Ele argumenta que governar é uma “ciência experimental” que requer experiência e não pode ser reduzida a princípios simples e universais, afirmando: “Construir ou renovar uma comunidade não é algo ensinável a priori”.
- Ele critica os revolucionários franceses por sua dependência de “especulações extravagantes e presunçosas” que desconsideram as complexidades da natureza humana e da sociedade.
- Previsão de Resultados Negativos:
- Burke prevê com precisão que o caos da Revolução Francesa levaria a uma tomada de poder militar, com o exército se amotinando e um “general popular” se tornando “mestre de sua assembleia, o mestre de toda a sua república”. Isso se concretizou posteriormente com a ascensão de Napoleão, validando as preocupações de Burke sobre os perigos de uma mudança radical.
| Tradição e democracia Gilbert Keith Chesterton (1874–11936) foi um autor e filósofo inglês. Em seu livro Ortodoxia, ele explica por que, em sua opinião, a tradição é uma espécie de democracia. “Tradição significa dar votos à mais obscura de todas as classes, nossos ancestrais. É a democracia dos mortos. A tradição se recusa a se submeter à pequena e arrogante oligarquia daqueles que simplesmente andam por aí. Todos os democratas se opõem à desqualificação dos homens por circunstâncias do nascimento; a tradição se opõe à sua desqualificação pela circunstância da morte.” |
Insights
- O apoio de Burke às revoluções britânica e americana, embora se opusesse à francesa, evidencia que mesmo conservadores defendem revoluções, conforme o contexto. Ele via as primeiras como atuantes dentro de tradições e instituições, enquanto a segunda as rejeitava categoricamente, sugerindo uma natureza distinta entre as revoluções gloriosa e americana em contraste com a revolução francesa.
- A crítica de Burke à assembleia revolucionária, observando sua “pobreza de concepção, grosseria, vulgaridade” e falta de verdadeira liberdade, ressalta seu desdém pela política radical do iluminismo francês, provinda de intelectuais como Rousseau e Voltaire.
| Uma revolução moderna alinhada com as ideias de Burke: a Revolução de Veludo na Checoslováquia (1989). A Revolução de Veludo foi um movimento de protesto não violento que ocorreu na Checoslováquia entre 17 de novembro e 29 de dezembro de 1989, pondo fim a mais de 40 anos de regime comunista e inaugurando uma transição pacífica para a democracia. Começou com uma manifestação estudantil em Praga, em memória do 50º aniversário do assassinato do estudante Jan Opletal pelos nazistas. A manifestação foi brutalmente reprimida pela polícia de choque, provocando indignação generalizada e protestos em massa por todo o país, incluindo greves gerais e negociações lideradas por grupos dissidentes como o Fórum Cívico, sob a liderança de Václav Havel. O nome da revolução reflete sua natureza pacífica, alcançada por meio da resistência civil em vez de conflitos armados, culminando na renúncia da liderança comunista, eleições livres e a eleição de Havel como presidente, marcando um momento crucial no colapso do comunismo na Europa Oriental. A Revolução de Veludo foi um movimento de protesto não violento que se desenrolou na Checoslováquia entre 17 de novembro e 29 de dezembro de 1989. Durante a transição, preservou instituições-chave (como o sistema jurídico e a economia), baseou-se em tradições culturais e dissidentes preexistentes e evitou o terror ou a reestruturação radical contra os quais Burke alertou, permitindo uma reforma gradual rumo à liberdade. |
Algumas Citações
A tabela a seguir resume algumas citações e sua relevância para as principais ideias de Burke:
| Ideia | Citação |
| Tradição e preconceito | “O preconceito é de fácil aplicação em momentos de emergência; ele previamente engaja a mente num curso constante de sabedoria e virtude, e não deixa o homem hesitante no momento da decisão, cético, perplexo e indeciso. O preconceito transforma a virtude do homem em um hábito, e não em uma série de atos desconexos. Através de um preconceito justo, o dever torna-se parte de sua natureza.” |
| Crítica à Revolução Francesa | “A própria ideia da fabricação de um novo governo é suficiente para nos encher de desgosto e horror.” |
| Direitos e deveres | “Os homens têm o direito de viver de acordo com essa regra; eles têm o direito de fazer justiça entre seus semelhantes, estejam eles em funções públicas ou em ocupações comuns.” |
| Sociedade como parceria | “As pessoas que nunca olham para trás, para os seus antepassados, não olharão para a posteridade” |
| Praticidade acima da teoria | “A ciência de construir uma comunidade, ou renová-la, ou reformá-la, como qualquer outra ciência experimental, não deve ser ensinada a priori.” |
Conclusão
Reflexões sobre a Revolução Francesa, de Edmund Burke, é uma defesa da tradição, da reforma gradual e da sabedoria prática contra o radicalismo da Revolução Francesa. Ele argumenta que a sociedade deve ser preservada como uma herança das gerações passadas, com direitos e liberdades enraizados na experiência histórica e não em teorias abstratas. Sua obra permanece como um pilar do pensamento político conservador, enfatizando a importância da estabilidade, da continuidade e das complexidades da natureza humana, e continua a influenciar debates sobre reforma política e mudança social.
| Russell Kirk fala sobre Edmund Burke Em seu clássico A mente Conservador, o filósofo político Russell Kirk (1918-1994) escreveu sobre Burke: Conservadorismo, sempre; mas conservação de quê? Burke defendeu resolutamente a preservação da constituição britânica, com sua tradicional divisão de poderes, um sistema sustentado, em sua mente, pelos argumentos de Hooker, Locke e Montesquieu, como o sistema mais favorável à liberdade e à ordem que se podia discernir em toda a Europa. E defendeu a preservação da constituição ainda mais ampla da civilização. Anacharsis Cloots podia se autoproclamar o orador da raça humana; Burke era o conservador da espécie. Uma constituição universal dos povos civilizados está implícita nos escritos e discursos de Burke, e estes são seus principais artigos: reverência pela origem divina da disposição social; confiança na tradição e no preconceito para orientação pública e privada; convicção de que os homens são iguais perante Deus, mas iguais apenas nesse aspecto; devoção à liberdade pessoal e à propriedade privada; oposição à alteração doutrinária. Nas Reflexões, essas crenças encontram, individualmente, sua expressão mais ardente e sincera: (…) Uma ordem moral, uma boa e velha prescrição, uma reforma cautelosa — esses são elementos não apenas ingleses, mas de aplicação geral; para Burke, eles eram tão válidos em Madras quanto em Bristol; e seus discípulos franceses e alemães, ao longo do século XIX, os consideraram aplicáveis às instituições continentais. O sistema intelectual de Burke, portanto, não é simplesmente uma defesa das instituições políticas britânicas. Se fosse apenas isso, metade de sua importância para nós seria meramente antiquária. No entanto, um breve olhar para a Constituição específica que Burke elogiou pode recompensar a atenção — um olhar para aquela sociedade do século XVIII sobre a qual ela se baseava e que, por sua vez, dependia daquela constituição política. Recentemente, muita nostalgia tem sido dedicada ao século XVIII; mas há razões sólidas pelas quais os homens modernos podem admirar essa época. A Constituição da Inglaterra existia para a proteção dos ingleses em todas as esferas da vida, disse Burke: para garantir suas liberdades, sua igualdade perante a justiça e sua oportunidade de viver com dignidade. Quais eram suas origens? A tradição dos direitos ingleses, os estatutos concedidos pelos reis, o acordo estabelecido entre o soberano e o parlamento após 1688. No governo da nação, o povo participava por meio de seus representantes — não delegados, mas representantes eleitos dentre os antigos órgãos corporativos da nação, e não dentre uma massa amorfa de súditos. O que constituía o povo? Na opinião de Burke, o público era composto por cerca de quatrocentos mil homens livres, dotados de lazer, propriedade ou filiação a um órgão responsável que lhes permitisse compreender os elementos da política. (Burke reconheceu que a extensão do sufrágio era uma questão a ser determinada pela prudência e conveniência, variando conforme o caráter da época.) Os fidalgos rurais, os agricultores, as classes profissionais, os comerciantes, os fabricantes, os graduados universitários, em alguns distritos eleitorais os lojistas e artesãos prósperos, os proprietários de terras com renda de quarenta xelins: homens dessas classes tinham o direito de voto. Era um equilíbrio e um controle adequados das diversas classes competentes para exercer influência política — a coroa, a nobreza, a aristocracia rural, a classe média, as cidades antigas e as universidades do reino. Dentro de uma ou outra dessas categorias, o verdadeiro interesse de cada pessoa na Inglaterra estava compreendido. Em um bom governo, o objetivo do voto não é permitir que cada homem expresse seu ego, mas representar seus interesses, independentemente de votar pessoalmente e diretamente ou não. |
Textos selecionados
Edmund Burke. Reflexões sobre a Revolução na França e sobre os procedimentos em certas sociedades de Londres relativos a esse evento, em uma carta que deveria ter sido enviada a um cavalheiro em Paris. Tradução com o auxílio do Google Tradutor.
(…)
A cerimônia de demissão de reis, da qual esses cavalheiros falam tanto à vontade, raramente, ou nunca, pode ser realizada sem força. Torna-se então um caso de guerra, e não de constituição. As leis são obrigadas a calar-se entre as armas, e os tribunais caem por terra com a paz que não conseguem mais manter. A Revolução de 1688 [Revolução Gloriosa] foi obtida por uma guerra justa, o único caso em que qualquer guerra, e muito mais uma guerra civil, pode ser justa. Justa bella quibus necessaria. A questão de destronar ou, se estes senhores preferirem a expressão, de “demitir reis” será sempre, como sempre foi, uma questão extraordinária de Estado, e totalmente fora da lei — uma questão (como todas as outras questões de Estado) de disposições, de meios e de consequências prováveis, em vez de direitos positivos. Assim como não foi feita para abusos comuns, também não deve ser agitada por mentes comuns. A linha especulativa de demarcação onde a obediência deve terminar e a resistência deve começar é tênue, obscura e difícil de definir. Não é um único ato, ou um único evento, que a determina. Governos devem ser abusados e perturbados, de fato, antes que isso possa ser pensado; e a perspectiva do futuro deve ser tão ruim quanto a experiência do passado. Quando as coisas estão nessa condição lamentável, a natureza da doença é indicar o remédio para aqueles a quem a natureza qualificou para administrar, em casos extremos, essa poção crítica, ambígua e amarga a um estado desequilibrado. Tempos, ocasiões e provocações ensinarão suas próprias lições. O sábio decidirá pela gravidade do caso; o irritável, pela sensibilidade à opressão; o altivo, pelo desdém e indignação pelo poder abusivo em mãos indignas; o bravo e ousado, pelo amor ao perigo honrado em uma causa generosa; mas, com ou sem direito, uma revolução será o último recurso dos pensantes e dos bons.
A terceira base do direito, afirmada pelo púlpito do Velho Judaísmo, a saber, o “direito de formar um governo para nós mesmos”, tem, pelo menos, tão pouco apoio em qualquer coisa feita na Revolução, seja em precedente ou princípio, quanto as duas primeiras de suas reivindicações. A Revolução foi feita para preservar nossas antigas e indiscutíveis leis e liberdades e aquela antiga constituição de governo que é nossa única garantia para a lei e a liberdade. Se você deseja conhecer o espírito de nossa constituição e a política que predominou naquele grande período que a consolidou até hoje, por favor, procure ambos em nossas histórias, em nossos registros, em nossas atas parlamentares e nos diários parlamentares, e não nos sermões da Velha Juderia e nos brindes pós-jantar da Sociedade da Revolução. No primeiro, você encontrará outras ideias e outra linguagem.
Tal afirmação é tão inadequada ao nosso temperamento e desejos quanto não é sustentada por qualquer aparência de autoridade. A própria ideia da fabricação de um novo governo é suficiente para nos encher de desgosto e horror. Desejávamos, no período da Revolução, e agora desejamos, derivar tudo o que possuímos como herança de nossos antepassados. Sobre esse conjunto e estoque de herança, tomamos o cuidado de não inocular nenhum descendente estranho à natureza da planta original. Todas as reformas que fizemos até agora procederam com base no princípio da reverência à antiguidade; e espero, ou melhor, estou convencido, de que todas as que possivelmente possam ser feitas daqui em diante serão cuidadosamente formadas com base em antecedentes, autoridade e exemplo analógicos.
(…)
Observará que, da Magna Carta à Declaração de Direitos, tem sido a política uniforme da nossa constituição reivindicar e afirmar as nossas liberdades como uma herança inerente, derivada dos nossos antepassados, e a ser transmitida à nossa posteridade — como um estado que pertence especialmente ao povo deste reino, sem qualquer referência a qualquer outro direito mais geral ou anterior. Por este meio, a nossa constituição preserva a unidade em tão grande diversidade das suas partes. Temos uma coroa hereditária, uma nobreza hereditária, uma Câmara dos Comuns e um povo que herda privilégios, franquias e liberdades de uma longa linhagem de antepassados.
Esta política parece-me ser o resultado de uma reflexão profunda, ou melhor, o efeito feliz de seguir a natureza, que é sabedoria sem reflexão, e acima dela. Um espírito de inovação é geralmente o resultado de um temperamento egoísta e de visões limitadas. Quem nunca olha para trás, para seus ancestrais, não anseia pela posteridade. Além disso, o povo da Inglaterra sabe muito bem que a ideia de herança fornece um princípio seguro de conservação e um princípio seguro de transmissão, sem excluir de forma alguma um princípio de aperfeiçoamento. Ela deixa a aquisição livre, mas assegura o que adquire.
(…)
Longe estou de negar em teoria, tão longe está meu coração de sustentar na prática (se eu tivesse o poder de conceder ou negar) os direitos reais dos homens. Ao negar suas falsas reivindicações de direito, não pretendo prejudicar aqueles que são reais, e são tais que seus pretensos direitos destruiriam totalmente. Se a sociedade civil for criada para o benefício do homem, todas as vantagens para as quais ela é criada tornam-se seu direito. É uma instituição de beneficência; e a própria lei é apenas beneficência agindo por uma regra. Os homens têm o direito de viver de acordo com essa regra; têm o direito de praticar a justiça entre seus semelhantes, estejam eles em funções públicas ou em ocupações comuns. Têm direito aos frutos de sua indústria e aos meios de torná-la frutífera. Têm direito às aquisições de seus pais, à nutrição e ao aprimoramento de seus filhos, à instrução na vida e ao consolo na morte. Tudo o que cada homem pode fazer separadamente, sem ofender os outros, tem o direito de fazer por si mesmo; e ele tem direito a uma porção justa de tudo o que a sociedade, com todas as suas combinações de habilidade e força, pode fazer em seu favor. Nesta parceria, todos os homens têm direitos iguais, mas não a coisas iguais. Aquele que tem apenas cinco xelins na parceria tem tanto direito a eles quanto aquele que tem quinhentas libras tem à sua maior parte. Mas ele não tem direito a um dividendo igual no produto do capital social; e quanto à parcela de poder, autoridade e direção que cada indivíduo deve ter na gestão do Estado, devo negar que isso esteja entre os direitos originais diretos do homem na sociedade civil; pois tenho em minha contemplação o homem social civil, e nenhum outro. É uma questão a ser resolvida por convenção.
(…)
A ciência de construir uma comunidade, ou renová-la, ou reformá-la, como qualquer outra ciência experimental, não deve ser ensinada a priori. Nem é uma experiência curta que pode nos instruir nessa ciência prática, porque os efeitos reais das causas morais nem sempre são imediatos; Mas o que em primeira instância é prejudicial pode ser excelente em sua operação mais remota, e sua excelência pode surgir até mesmo dos efeitos negativos que produz no início. O inverso também acontece: e esquemas muito plausíveis, com começos muito agradáveis, muitas vezes têm conclusões vergonhosas e lamentáveis. Nos Estados, muitas vezes há algumas causas obscuras e quase latentes, coisas que parecem à primeira vista de pouca importância, das quais uma grande parte de sua prosperidade ou adversidade pode depender essencialmente. Sendo a ciência do governo, portanto, tão prática em si mesma e destinada a tais propósitos práticos — uma questão que requer experiência, e ainda mais experiência do que qualquer pessoa pode adquirir em toda a sua vida, por mais sagaz e observadora que seja — é com infinita cautela que qualquer homem deve se aventurar a demolir um edifício que atendeu em qualquer grau tolerável por eras aos propósitos comuns da sociedade, ou a reconstruí-lo sem ter diante dos olhos modelos e padrões de utilidade aprovada.
(…)
Veja, senhor, que nesta era iluminada sou ousado o suficiente para confessar que somos geralmente homens de sentimentos incultos, que, em vez de descartar todos os nossos antigos preconceitos, os acalentamos em um grau muito considerável e, para nos envergonharmos ainda mais, os acalentamos porque são preconceitos; e quanto mais duram e quanto mais prevalecem, mais os acalentamos. Temos medo de colocar os homens para viver e negociar cada um com seu próprio estoque particular de razão, porque suspeitamos que esse estoque em cada homem é pequeno e que os indivíduos fariam melhor se se valessem do banco e do capital geral das nações e das eras. Muitos de nossos homens de especulação, em vez de explodir preconceitos gerais, empregam sua sagacidade para descobrir a sabedoria latente que prevalece neles. Se encontram o que procuram, e raramente falham, acham mais sábio continuar o preconceito, com a razão envolvida, do que jogar fora o manto do preconceito e não deixar nada além da razão nua e crua; porque o preconceito, com sua razão, tem um motivo para dar ação a essa razão, e uma afeição que lhe dará permanência. O preconceito é de fácil aplicação em situações de emergência; ele previamente engaja a mente em um curso constante de sabedoria e virtude e não deixa o homem hesitante no momento da decisão, cético, confuso e indeciso. O preconceito torna a virtude de um homem seu hábito, e não uma série de atos desconexos. Através do preconceito justo, seu dever se torna parte de sua natureza.
(…)
Questões para reflexão
1. Como a crítica de Burke à tentativa da Revolução Francesa de reescrever a sociedade “em uma folha de papel em branco” alerta para os perigos de revisões ideológicas radicais na política contemporânea, como implementações rápidas de reformas socialistas ou libertárias?
2. Como o conceito de “preconceito” de Burke como uma força positiva na sociedade desafia as visões modernas sobre viés e racionalidade na tomada de decisões políticas?
3. Como a defesa burkeana de que “ilusões e preconceitos são socialmente necessários” — argumentando que é melhor “confiar na sabedoria latente do preconceito” do que “fazer os homens viverem e negociarem cada um com seu próprio estoque particular de razão” — se aplica aos debates sobre expertise versus conhecimento popular?
4. De que maneiras o alerta de Burke sobre os perigos de ideais abstratos pode se aplicar a movimentos ideológicos contemporâneos, como o ambientalismo extremo ou a política identitária?
5. Burke enfatizou a sociedade como uma parceria entre gerações passadas, presentes e futuras — como essa perspectiva informa os debates atuais sobre dívida nacional e equidade intergeracional?
6. Burke argumentou que direitos devem vir acompanhados de deveres — como essa ideia repercute nas discussões em andamento sobre renda básica universal ou programas de bem-estar social?
7. Como a defesa da tradição e do precedente histórico por Burke contrasta com as pressões contemporâneas por reformas constitucionais ou pela reescrita de narrativas históricas?
8. Como a crítica de Burke ao racionalismo como “bárbaro” — onde revolucionários adotaram uma filosofia que ignorava tradições estabelecidas — informa análises de movimentos contemporâneos que rejeitam instituições culturais ou religiosas tradicionais?
9. Considerando a previsão de Burke de tirania após mudanças radicais, como isso se aplica à análise dos resultados de revoluções ou levantes recentes em países como Venezuela ou Síria?
10. Burke valorizava a sabedoria prática em detrimento da especulação teórica — como esse princípio poderia orientar os formuladores de políticas públicas na abordagem de questões globais complexas, como mudanças climáticas ou regulamentação da IA, hoje?
11. Como o padrão burkeano de estadismo — “uma disposição para preservar e uma capacidade de melhorar, tomadas em conjunto” — se relaciona com as abordagens contemporâneas de reforma institucional e mudança social?
12. Quais são as características de uma revolução que teria o apoio de Burke?

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