Introdução
Roger Vernon Scruton (1944–2020) foi um proeminente filósofo, escritor e intelectual público britânico, amplamente considerado um dos principais pensadores conservadores do final do século XX e início do século XXI.
Figura: Roger Vernon Scruton

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Roger_Scruton_by_Pete_Helme.jpg
Ele escreveu mais de 50 livros e milhares de artigos abordando conservadorismo, teologia, estética e política, em temas que vão da estética e política à religião e ao ambientalismo, e foi condecorado com o título de cavaleiro em 2016 por seus serviços à filosofia, ao ensino e à educação pública.
A Busca pela Beleza
Para Roger Scruton, a beleza é objetiva, transcendente e moralmente essencial, e não meramente uma preferência subjetiva. Ele argumenta que a beleza funciona como “um vislumbre do transcendental”, uma maneira de os seres mortais perceberem algo eterno e de estarem “na presença do sagrado sem precisar de teologia”. Scruton insiste que a beleza genuína difere fundamentalmente da mera formosura — enquanto a formosura é consumível e serve ao prazer do observador, a beleza exige reconhecimento e nos impõe uma reivindicação objetiva. Ele argumenta que a experiência da beleza natural “contém a certeza de que este mundo é um lugar certo e apropriado para se estar — um lar onde nossas capacidades humanas encontram confirmação”, e que o julgamento estético revela verdades genuínas sobre a realidade por meio de um modo de conhecimento que a argumentação por si só não consegue alcançar.
Scruton transforma a beleza de um luxo opcional em uma obrigação moral e uma necessidade para a dignidade e o florescimento humano. Ele defende que permitir que a feiura domine nossos ambientes — seja por meio da arquitetura brutalista, espaços públicos degradados ou desprezo pelo design clássico — constitui “uma forma de violência contra a dignidade humana”. A beleza na arquitetura, na arte e nos espaços compartilhados cria um senso de pertencimento e coesão social, fortalecendo os laços que unem as comunidades. Para Scruton, defender a beleza torna-se defender o próprio sagrado; temos o dever moral de criar e preservar coisas belas não como preferências elitistas, mas como alimento essencial para as almas humanas e como resistência ao empobrecimento do significado, da transcendência e da orientação espiritual promovido pela modernidade.
| Construindo Melhor, Construindo com Beleza Scruton apoiou políticas públicas que promovem a arquitetura tradicional e esteticamente bela no planejamento urbano e no desenvolvimento habitacional, como exemplificado em sua presidência da “Comissão Construindo Melhor, Construindo com Beleza” do Reino Unido em 2018. Essa iniciativa visava reformar os regulamentos e incentivos à construção para priorizar a beleza, o caráter local e o design em escala humana em detrimento de abordagens puramente funcionais ou modernistas. Refletia seu antiracionalismo ao rejeitar o planejamento urbano tecnocrático e vertical baseado na eficiência abstrata e em ideologias racionalistas (como as inspiradas por Le Corbusier), favorecendo, em vez disso, tradições orgânicas e vieses culturais que fomentam um senso de pertencimento e continuidade com o passado. (leia mais em https://www.gov.uk/government/groups/building-better-building-beautiful-commission) Nos Estados Unidos, em seu manifesto “Um Apelo à Beleza: Um Manifesto para um Novo Urbanismo”, Scruton argumenta que o declínio das cidades americanas, que corrói sua vitalidade social, cultural, econômica e política, decorre principalmente da feiura de seus centros e do fracasso tanto das soluções de mercado quanto do planejamento diretor centralizado em promover ambientes urbanos atraentes. Ele defende que a renovação urbana requer restrições estéticas secundárias — limites de altura, escala, materiais e detalhes arquitetônicos — para garantir que os novos edifícios harmonizem com os existentes, reduzindo a expansão urbana desordenada e criando centros urbanos que atraiam moradores de classe média, semelhantes a cidades europeias prósperas como Paris e Florença. Baseando-se em exemplos como a teoria da janela quebrada, em que a negligência inicial gera mais deterioração, Scruton postula que a beleza, como um fim não instrumental, incentiva as pessoas a viver, trabalhar e socializar nos centros urbanos, revitalizando assim a vida pública e impedindo a degeneração dos espaços urbanos em meros distritos comerciais ou terrenos baldios abandonados. (disponível em https://www.aei.org/research-products/report/a-plea-for-beauty-a-manifesto-for-a-new-urbanism/) |
O Significado do Conservadorismo
Em O Significado do Conservadorismo (1980), Roger Scruton redefine o conservadorismo como uma filosofia coerente, fundamentalmente alicerçada na preservação da tradição, da autoridade e das instituições herdadas, em vez de uma ideologia de mercado rígida ou uma resistência reacionária à mudança. Scruton argumenta que a sociedade se mantém coesa por meio de regras e autoridades estabelecidas, com a verdadeira liberdade emergindo paradoxalmente da obediência à ordem social, e não de sua rejeição. Ele defende que as tradições e instituições incorporam a sabedoria acumulada de gerações anteriores, que não pode ser substituída por um projeto racional abstrato, tornando o respeito pelo passado essencial para a boa governança. A obra distingue o conservadorismo tanto do utopismo progressista, que Scruton considerava perigosamente revolucionário, quanto do libertarianismo econômico, argumentando, em vez disso, que os conservadores devem equilibrar a livre iniciativa com uma ética social mais ampla que subordine os interesses comerciais às considerações culturais e morais.
| Elementos fundamentais em suas filosofias conservadoras compatilhados por Michael Oakeshott e Roger Scruton. | |
| Similaridades | Descrição |
| Influência Hegeliana e Estruturas Culturais Compartilhadas | Ambos reconhecem a centralidade dos modos de experiência herdados e compartilhados e consideram uma estrutura cultural e institucional como uma condição indispensável para a vida civilizada. |
| Antirracionalismo na Política | Eles criticam o racionalismo, preferindo a tradição e o conhecimento prático às abstrações ideológicas ou à confiança iluminista na razão para melhorar o mundo. |
| Ênfase nas Instituições Intermediárias | Ambos destacam o papel das instituições sociais (por exemplo, família, propriedade) na formação da identidade moral e da liberdade, rejeitando o individualismo abstrato. |
| Conservadorismo como Disposição | Eles veem o conservadorismo mais como uma disposição ou atitude prática — preferindo o familiar e testado — do que como uma ideologia rígida ou um conjunto de doutrinas. |
| Valor da Tradição e da Ordem Social | Ambos valorizam a tradição como uma fonte de estabilidade e significado, com a sociedade vista como uma herança a ser preservada e transmitida, envolvendo experiências e ordem compartilhadas. |
A tese central de Scruton enfatiza que as pessoas naturalmente possuem lealdades limitadas, centradas em suas próprias comunidades e nações, tornando a lealdade ao próprio país essencial para a legitimidade da autoridade política. Ele critica a rejeição relativista da verdade transcendente pelo pós-modernismo, argumentando que tal pensamento corrói os alicerces da civilização ocidental. Em vez de encarar o conservadorismo como uma defesa estática do status quo, Scruton o apresenta como uma gestão ativa de recursos compartilhados — sociais, culturais, econômicos e espirituais — que devem ser preservados com cuidado e adaptados às circunstâncias em constante mudança. Essa estrutura filosófica posiciona o conservadorismo não como uma nostalgia retrógrada, mas como uma defesa prudente de instituições comprovadas e da ordem moral contra a experimentação ideológica que ameaça a dignidade humana e a estabilidade social.
| Divergências de Michael Oakeshott e Roger Scruton no foco, aplicação e implicações do conservadorismo | ||
| Aspecto | Michael Oakeshott | Roger Scruton |
| Foco principal do conservadorismo | Enfatiza a liberdade individual e a capacitação das pessoas para que busquem seus próprios empreendimentos, com o conservadorismo como um meio de restringir o Estado a leis negativas para a coexistência pacífica. | Concentra-se na preservação da cultura compartilhada, da nacionalidade e da identidade coletiva como uma ação de retaguarda contra ameaças como o liberalismo e o progressismo, priorizando o “nós” em detrimento do “eu”. |
| Papel do Estado | Enxerga o governo como uma atividade limitada para “manter o barco à tona”, evitando propósitos positivos como a criação de riqueza ou o bem-estar social, com intervenção mínima para a conduta ordenada. | Vê o Estado como tendo obrigações para com os cidadãos, defendendo ativamente a herança cultural e a autoridade, sem hostilidade automática, mas com um papel na repulsão de ameaças à ordem e à tradição. |
| Abordagem à Tradição e à Cultura | Trata a tradição de forma processual para manter a liberdade e os processos legais herdados, sem enfatizar a defesa coletiva ou o consenso sobre elementos culturais. | Enxerga a tradição como uma herança coletiva a ser defendida energicamente contra ataques ideológicos, derivando valores, significados e padrões de estruturas sociais como a língua e a religião. |
| Visão sobre a Personalidade Corporativa | Rejeita a personalidade corporativa, enfatizando a pluralidade e a individualidade em detrimento de visões holísticas ou orgânicas da sociedade e do Estado. | Revitaliza a personalidade corporativa, considerando o Estado e as instituições como pessoas morais com responsabilidade, enraizadas no Idealismo e na jurisprudência. |
| Estilo e Engajamento Filosófico | Acadêmico tranquilo e imparcial, focado em filosofia, evitando debates públicos e considerando o conservadorismo como contingente e não ideológico. | Intelectual público combativo, que luta ativamente contra inimigos culturais e políticos, com um conservadorismo mais dogmático e ativista. |
| Historicismo e Relativismo | Mais historicista, levando a tendências relativistas que priorizam o presente e as estruturas existentes sem fortes reivindicações substantivas de conservação. | Assume que coisas e valores permanentes informam a história, fornecendo uma base não relativista para a conservação de elementos culturais e estéticos. |
Pensadores da Nova Esquerda
A obra de Roger Scruton, Pensadores da Nova Esquerda (1985), revisada como Tolos, Fraudes e Incendiários (2015), é uma polêmica sustentada contra os principais intelectuais de esquerda do pós-guerra — Sartre, Foucault, Habermas, Althusser, Lacan, Deleuze, Badiou, Žižek e outros —, a quem ele acusa de promover jargões obscurantistas, relativismo e sentimentos antiocidentais. Baseando-se em sua experiência com dissidentes na Tchecoslováquia comunista, Scruton traça uma genealogia do pensamento da Nova Esquerda (organizada sob títulos como “Ressentimento na Grã-Bretanha”, “Absurdos em Paris” e “Guerras Culturais no Mundo”) e argumenta que esses pensadores trocam o rigor filosófico por projetos utópicos que minam a verdade, a moralidade e a ordem social.
A crítica central de Scruton reside na acusação de “assimetria moral”: a apropriação da linguagem moral pela esquerda, ao mesmo tempo que aplica padrões duplos às instituições ocidentais e justifica abusos totalitários. Ele argumenta que as correntes marxistas e pós-estruturalistas fomentam o ressentimento, o politicamente correto, a desconstrução e a fragmentação cultural, corroendo os valores familiares, nacionais, religiosos e estéticos. Na edição revisada, ele atualiza essa crítica para a política identitária e o multiculturalismo, denuncia a “novilíngua” que mascara as reivindicações de poder e defende um retorno ao rigor intelectual e à preservação dos laços comunitários e dos valores objetivos.
| Programas Abrangentes do Estado de Bem-Estar Social Roger Scruton opôs-se a políticas que expandiam o estado de bem-estar social de maneiras que, em sua opinião, criavam dependência e uma subclasse socialmente disfuncional. Essa oposição derivava de sua crítica ao socialismo e ao liberalismo moderno, que ele considerava promotores de ressentimento, igualitarismo e planejamento centralizado em detrimento da responsabilidade individual e das estruturas sociais tradicionais. Scruton argumentava que tais políticas rompiam os laços orgânicos da sociedade — enraizados em costumes, instituições e obrigações mútuas — ao fomentar uma cultura de direitos adquiridos que enfraquecia os laços familiares, a autossuficiência da comunidade e virtudes morais como obediência e piedade. Em vez disso, ele favorecia mecanismos de mercado moderados por valores conservadores, onde o combate à pobreza ocorre por meio de iniciativas localizadas, como microcrédito para pequenas empresas, em vez de intervenções estatais de cima para baixo que, em sua opinião, perpetuavam ciclos de disfunção e corroíam o Estado de Direito. |
Citações-chave
“O conservadorismo parte de um sentimento que todas as pessoas maduras podem facilmente compartilhar: o sentimento de que as coisas boas são facilmente destruídas, mas não facilmente criadas.” (Como ser um conservador)
“Os intelectuais são naturalmente atraídos pela ideia de uma sociedade planejada, na crença de que estarão no comando dela.” (Tolos, Fraudes e Incendiários: Pensadores da Nova Esquerda)
“Um escritor que diz que não existem verdades, ou que toda verdade é ‘meramente relativa’, está pedindo que você não acredite nele. Então, não acredite.” (Filosofia Moderna: Uma Introdução e Panorama)
“O conservadorismo é mais um instinto do que uma ideia. Mas é o instinto que acredito que todos nós, em última análise, compartilhamos, pelo menos se formos felizes neste mundo. É o instinto de nos apegarmos ao que amamos, de protegê-lo da degradação e da violência e de construir nossas vidas em torno disso.” (O Futuro do Conservadorismo)
“A doutrina do pecado original, contida na história do Gênesis — uma das metáforas mais belas e concisas que existem — trata da maneira como nós, seres humanos, passamos de tratar uns aos outros como sujeitos para tratar uns aos outros como objetos. Amor, respeito e perdão derivam disso. Quando nos tratamos como objetos, então temos os campos de concentração.” (A Alma do Mundo)
“Não é a verdade do marxismo que explica a disposição dos intelectuais em acreditar nele, mas o poder que ele lhes confere, em suas tentativas de controlar o mundo. E visto que… é inútil tentar convencer alguém do contrário por meio da razão, se essa pessoa não foi convencida por meio da razão, podemos concluir que o marxismo deve seu notável poder de sobreviver a todas as críticas ao fato de não ser um sistema de pensamento orientado pela verdade, mas sim pelo poder.” (Uma Filosofia Política)
Questões para reflexão
1. Como a ideia de “oikofilia” (amor ao lar) de Scruton influencia abordagens conservadoras à conservação ambiental? Ou afeta a noção de que as obras públicas devem visar ao embelezamento das cidades?
2. Na filosofia de Scruton, como a religião fornece uma base para a moralidade e quais as implicações disso para sociedades seculares que enfrentam dilemas éticos como a eutanásia?
3. Como a ênfase de Scruton no “dever, lealdade e gratidão” como elementos centrais da vida política pode abordar preocupações contemporâneas sobre a fragmentação social e o declínio da participação cívica?
4. Scruton critica o pós-modernismo por promover o relativismo e rejeitar a verdade objetiva. Como essa crítica se relaciona com os debates contemporâneos sobre desinformação e pluralismo epistemológico?
5. Scruton argumenta que a modernidade rompeu nosso senso de continuidade com a natureza e a herança cultural, com a arte moderna frequentemente celebrando a feiura. A arte e a arquitetura contemporâneas podem ser reabilitadas de acordo com sua estrutura, ou o dano é irreversível?
6. Como Scruton defendeu as estruturas tradicionais de casamento e família, e como essa perspectiva pode abordar questões modernas como a queda das taxas de natalidade?
7. Que reflexões a filosofia de Scruton oferece sobre a alienação causada pelo trabalho remoto e pelos estilos de vida digitais nas sociedades pós-pandemia?
8. Scruton argumenta que “a verdadeira liberdade vem da obediência” à autoridade e ao Estado de Direito. Quão semelhante ou diferente é seu conceito do de Montesquieu: “…a liberdade política não consiste em uma liberdade ilimitada. Nos governos, isto é, nas sociedades regidas por leis, a liberdade só pode consistir no poder de fazer o que devemos querer e em não sermos obrigados a fazer o que não devemos querer”?
9. Scruton apoiou a monarquia constitucional como uma força para a estabilidade e a paz, considerando-a como algo que transcende a política cotidiana. Qual a relevância desse argumento em repúblicas ou em monarquias que enfrentam crises de legitimidade?
10. Se Scruton estiver correto ao afirmar que o multiculturalismo e as políticas identitárias fragmentam o senso de pertencimento nacional, que medidas institucionais ou culturais poderiam manter ou restaurar o que ele chama de “identidade comum e patrimônio nacional” sem constituir exclusivismo étnico ou cultural?

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