Os artigos Federalistas
Após a Revolução Americana, os Estados Unidos, recém-independentes, enfrentaram a tarefa monumental de formular um governo capaz de unir estados diversos, preservando a liberdade individual e prevenindo a tirania. Os Artigos da Confederação, a primeira tentativa de governança do país, mostraram-se inadequados devido à sua fraca autoridade central, à incapacidade de regular o comércio e à falta de mecanismos de execução. A Convenção Constitucional de 1787 produziu uma nova Constituição, que os Federalistas — liderados por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay — defenderam por meio dos artigos Federalistas, uma série de 85 ensaios publicados entre 1787 e 1788 sob o pseudônimo de Publius. Esses ensaios articulavam uma visão para um governo federal forte o suficiente para garantir estabilidade e segurança, mas limitado o suficiente para salvaguardar a liberdade, alinhando-se aos princípios do liberalismo clássico.
Principais Artigos Federalistas e Seus Argumentos
Principais Artigos Federalistas e Seus Argumentos
• Federalista nº 1 (Hamilton)
Hamilton apresenta a série enquadrando a Constituição como uma oportunidade única para estabelecer um governo “por reflexão e escolha”, em vez de pela força ou acidente histórico. Ele enfatiza a necessidade de um governo federal forte, mas limitado, para preservar a união, proteger as liberdades individuais e garantir a segurança nacional. Essa visão rejeitava tanto a anarquia de um governo excessivamente fraco quanto a tirania de um governo excessivamente centralizado, estabelecendo o tom para uma abordagem equilibrada à governança.
• Federalista nº 10 (Madison)
Madison aborda o problema das facções — grupos unidos por interesses compartilhados que podem agir contra o bem comum ou os direitos dos outros. Ele argumenta que as facções são inevitáveis devido à diversidade de opiniões, paixões e interesses da natureza humana. No entanto, uma república grande e diversa atenua seus perigos, dificultando a dominação de qualquer facção. Essa teoria da “república ampliada” contrasta com democracias menores, onde uma maioria poderia facilmente oprimir minorias. A solução de Madison promove o pluralismo, garantindo que interesses conflitantes se equilibrem, protegendo tanto o governo da maioria quanto os direitos das minorias.
• Federalista nº 51 (Madison)
Madison discorre sobre a separação de poderes e o sistema de freios e contrapesos, argumentando que cada ramo do governo — legislativo, executivo e judiciário — deve ter sua própria “vontade” para impedir que qualquer ramo domine. Sua famosa declaração: “Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário“, reconhecendo a imperfeição humana como base para salvaguardas institucionais. O próprio federalismo serve como um freio adicional, com os governos estaduais e federal se contrabalançando. Essa dupla soberania garante a distribuição do poder, reduzindo o risco de tirania centralizada.
• Federalista nº 78 (Hamilton)
Hamilton defende o papel do judiciário, particularmente o conceito de revisão judicial, que permite aos tribunais revogar leis que violem a Constituição. Ele argumenta que um judiciário independente, com juízes nomeados vitaliciamente (sujeito a bom comportamento), é essencial para proteger os princípios constitucionais e os direitos individuais contra o excesso legislativo ou as paixões populares. Este ensaio destaca o papel do judiciário como guardião do Estado de Direito, pedra angular do governo limitado.
Figura 16: Alexander Hamilton (1755-1804)

Autor: Daniel Huntington
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Alexander_Hamilton
Esses ensaios defendem coletivamente um governo federal robusto, porém comedido, enraizado nos princípios do liberalismo clássico: liberdade individual, governo limitado e a proteção dos direitos naturais.
| A base moral da liberdade. Os pais fundadores da América reconheceram que uma sociedade livre depende não apenas do desenho institucional, mas também do caráter de seu povo. Dentre eles, John Adams (1735-1826), segundo Presidente dos Estados Unidos (1797-1801), em uma carta de 1798, declarou a famosa frase: “Nossa Constituição foi feita apenas para um povo moral e religioso. É totalmente inadequada para o governo de qualquer outro.” Isso reflete a crença dos pais fundadores da América de que a autogovernança requer uma cidadania virtuosa, capaz de exercer moderação, respeitar o Estado de Direito e priorizar o bem comum. Embora a Constituição estabeleça limites legais, seu sucesso depende de uma população guiada por princípios morais, derivados da religião. |
Algumas lições dos Federalistas
Os argumentos dos Federalistas produzem várias lições duradouras para a governança:
• União como Salvaguarda da Liberdade
Os artigos Federalistas, particularmente o nº 10, argumentam que uma união forte protege contra ameaças externas (por exemplo, agressão estrangeira) e discórdia interna (por exemplo, conflitos interestatais). Uma república unida promove a paz entre os estados e garante a segurança coletiva, permitindo que a nação prospere sem a ameaça constante de divisão ou guerra.
• A Necessidade do Governo
A afirmação de Madison, no Federalista nº 51, de que os governos são necessários porque “homens não são anjos” reconhece as tendências humanas ao interesse próprio e ao conflito. Um governo estruturado canaliza essas tendências para processos ordenados, prevenindo o caos e garantindo a justiça.
• Controlando o Poder Governamental
Como os governantes também são falíveis, os governos devem ser limitados. A defesa do Federalista nº 51 por freios e contrapesos — por meio da separação de poderes e do federalismo — garante que nenhuma entidade isolada exerça autoridade irrestrita. Esse sistema previne a tirania ao distribuir o poder entre múltiplas instituições e níveis de governo.
• Mitigando Facções
A solução de Madison para as facções no Federalista nº 10 é pragmática: como as facções surgem da natureza humana, suas causas não podem ser eliminadas sem suprimir a liberdade. Em vez disso, seus efeitos podem ser controlados por meio de:
• Uma Grande República: Uma população diversa e um vasto território diluem a influência de qualquer facção.
• Governo Representativo: Delegar autoridade a representantes eleitos filtra as paixões populares por meio da deliberação.
• Representação Legislativa: Leis elaboradas por representantes refletem interesses mais amplos, reduzindo o domínio faccional.
| A Fundação Nacional de Saúde e o federalismo brasileiro Ao apreciar o processo de “Avaliação da estratégia e plano de ação da Funasa” (TC 010.658/2018-1), o Tribunal prolatou o Acórdão 2359/2018-Plenário, em cujo relatório que o antecede consta, entre outras, as seguintes análises da política: 179. Assim, aplicando 92% ao orçamento de custeio de R$ 5.193.093.987,11, conforme dados obtidos em itens não digitalizáveis, arquivo ‘Orçamento Siop – 2013-2017 com análise.xlsx’, vinculado à peça 14 dos autos, tem-se que R$ 4.777.646.468,14 foram aplicados para garantir a entrega das obras durante esse interregno. Como no período analisado, conforme informações apresentadas pela Funasa, foram entregues 1889 obras, tem-se que o custo de manutenção da Funasa por obra concluída foi de R$ 2.529.193,47 (R$ 4.777.646.468,14/1889).(…) 181. Ao fazer levantamento de quantas obras foram finalizadas no período de 2013-2017 efetivamente custaram acima de R$ 2.500.000,00, valor aproximado do custeio da Funasa por obra entregue, verificou-se que foram apenas 127, ou 6,72% do total entregue. Ou seja, mais de 90% das obras que a Funasa conseguiu entregar entre 2013 e 2017 custaram menos do que foi necessário à União aportar na instituição para garantir seu funcionamento para entrega desse resultado. 182. Esse achado demonstra que o modelo operacional da Funasa, com prioridade em entrega de obra de saneamento, não tem sustentabilidade econômica, visto que a maior parte delas custa menos do que é preciso gastar para garantir o custeio dessa entidade e viabilizar a entrega desse produto.(…) 184. Tendo por base tal referencial, verifica-se que a situação da Funasa relatada no presente tópico sinaliza que a política de saneamento estabelecida por ela não tem por fundamento uma análise prévia da relação custo x benefício em sua implementação. Diante disso, tem-se a instituição de uma política pública ineficiente que, para conseguir entregar R$ 1.651.967.459,50 em obras de saneamento, no período de 2013-2017, precisou despender, com o custeio das atividades necessárias para implementação de sua política nesse mesmo período, um montante de R$ 4.777.646.468,14. 185. Ou seja, foram destinados do erário quase três vezes mais recursos orçamentários para o custeio da Funasa do que para a execução das obras de saneamento em si. Essa disparidade deixa evidente a ineficiência da política pública em questão, visto que a União, para entregar um relevante produto à sociedade (obras de saneamento), precisa gastar a mais o triplo do valor necessário para a realização da própria obra. (…) |
• Controle do Legislativo
Madison observa em Federalista nº 51 que o legislativo, como o poder mais próximo do povo, tende a dominar em uma república. Para combater isso, ele defende um legislativo bicameral, com o Senado e a Câmara dos Representantes eleitos de forma diferente (originalmente, os senadores eram escolhidos pelos legislativos estaduais, garantindo a influência estadual). Essa divisão fragmenta o poder legislativo, impedindo leis precipitadas ou opressivas.
| A Lei do Judiciário de 1802 A Lei do Judiciário de 1802, formalmente intitulada “Uma Lei para Emendar o Sistema Judicial dos Estados Unidos”, foi uma lei federal promulgada em 29 de abril de 1802, durante o governo do Presidente Thomas Jefferson. Serviu principalmente para revogar e substituir a controversa Lei do Judiciário de 1801 (também conhecida como Lei dos Juízes da Meia-Noite), aprovada pelo Congresso cessante, controlado pelos federalistas, sob o Presidente John Adams, com o objetivo de expandir o judiciário federal e nomear novos juízes antes da transição para o controle republicano (jeffersoniano). Contexto Histórico A Lei de 1801 reestruturou os tribunais federais, reduzindo o número de juízes da Suprema Corte de seis para cinco (com efeito a partir da próxima vaga), criando 16 novos cargos de juízes de circuito e dispensando os juízes da Suprema Corte de suas funções de “circle-riding” (viajar para presidir tribunais inferiores). Adams nomeou aliados federalistas para esses novos cargos em seus últimos dias de mandato, o que os republicanos consideraram uma tentativa de consolidar a influência federalista no judiciário. Após os republicanos de Jefferson conquistarem a maioria no Congresso após as eleições de 1800, eles agiram rapidamente para desfazer essas mudanças. O processo de revogação começou em janeiro de 1802, levando à aprovação da Lei em abril. Principais Disposições A Lei introduziu diversas mudanças significativas para restaurar e modificar o sistema judiciário federal originalmente delineado na Lei do Judiciário de 1789: Revogação da Lei de 1801: Aboliu os 16 novos cargos de juízes de circuito criados em 1801, removendo efetivamente os “juízes da meia-noite” do cargo (embora alguns tenham sido realocados ou remunerados). Reorganização dos Circuitos: O número de circuitos judiciais federais foi aumentado de três para seis, com cada juiz da Suprema Corte designado para presidir um circuito. Isso restabeleceu as funções de juízes de circuito, mas de uma forma mais administrável (um juiz por circuito em vez de pares). Sessões da Suprema Corte: A Lei reduziu as sessões da Suprema Corte de duas por ano para uma (realizada em fevereiro) e adiou a próxima sessão da Corte até 1803 para evitar contestações imediatas à revogação. Tribunais Distritais: Expandiu a autoridade dos juízes distritais em certos casos e ajustou as sessões e jurisdições dos tribunais para se alinharem à nova estrutura de circuito. Essas mudanças visavam equilibrar a eficiência com as prioridades republicanas, reduzindo as nomeações federalistas e mantendo um judiciário funcional. Impacto e Legado O precedente estabelecido pela Lei do Judiciário de 1802 permanece válido e fundamental para a compreensão moderna do poder do Congresso sobre o judiciário federal. A prática histórica e a interpretação constitucional continuam a afirmar que o Congresso pode estabelecer, reorganizar ou extinguir tribunais federais inferiores, ajustar os procedimentos da Suprema Corte (por exemplo, duração das sessões ou regras administrativas) e até mesmo modificar o número de juízes da Suprema Corte, como já fez inúmeras vezes desde o início da república. |
Os Federalistas no Espectro Político
No “diagrama circular das mentalidades políticas”, os Federalistas ocupam uma posição central dentro do liberalismo clássico, enfatizando a liberdade individual, o governo limitado e os direitos naturais. Suas ideias se conectam e divergem de outras ideologias:
• Esquerdistas Democratas: Os Federalistas compartilham com os esquerdistas democratas o compromisso com a representação e a igualdade perante a lei, como visto no slogan revolucionário “sem representação não há tributação”. No entanto, divergem quanto à intervenção econômica, visto que os Federalistas priorizavam a liberdade econômica e eram cautelosos com o envolvimento excessivo do governo, ao contrário dos esquerdistas modernos, que frequentemente defendem a redistribuição ou a regulamentação.
• Conservadores Moderados: Os Federalistas se alinham com o respeito conservador pelas instituições e pela mudança gradual, inspirando-se na tradição constitucional britânica. No entanto, diferem em sua visão de direitos: os Federalistas viam os direitos como naturais ou dados por Deus, enquanto os conservadores britânicos os viam como derivados de pactos históricos com o Estado.
• Oposição aos Estatistas Radicais: Os Federalistas se opunham veementemente a sistemas centralizados e autoritários, como o absolutismo do Rei George III ou regimes totalitários posteriores, como os de Mussolini ou Stalin. Seu sistema de poder distribuído e liberdades protegidas contrasta fortemente com as ideologias estatistas que concentram a autoridade.
Fundamentos Filosóficos
As ideias dos Federalistas estavam profundamente enraizadas no pensamento iluminista, particularmente nas obras de John Locke, Montesquieu e David Hume. O conceito de direitos naturais de Locke — vida, liberdade e propriedade — sustenta sua visão do governo como protetor das liberdades inerentes. A teoria da separação de poderes de Montesquieu influenciou diretamente seu desenho institucional, enquanto o realismo de Hume sobre a natureza humana moldou a abordagem de Madison sobre facções e freios e contrapesos. Os Federalistas também se basearam no republicanismo clássico, enfatizando a virtude cívica e o bem comum, como visto na ênfase de Adams em uma população moral.
Relevância Moderna
Os princípios federalistas permanecem profundamente relevantes nos debates contemporâneos sobre governança, liberdade individual e o papel do governo:
• Federalismo e Descentralização: Debates sobre autoridade federal versus estadual — como aqueles em torno de saúde, educação ou política ambiental — ecoam a visão dos Federalistas de dupla soberania. Por exemplo, disputas sobre mandatos federais versus autonomia estadual nos EUA refletem a tensão entre unidade e controle local.
• Revisão Judicial: A defesa de Hamilton da independência judicial no Federalista nº 78 repercute nas discussões modernas sobre o papel do judiciário na fiscalização dos poderes legislativo e executivo. Casos históricos da Suprema Corte dos EUA, como Marbury v. Madison (1803), que estabeleceu a revisão judicial, e decisões recentes sobre questões constitucionais, ressaltam a importância duradoura de um judiciário independente.
• Facções e Polarização: Os alertas de Madison sobre facções são extremamente relevantes no clima político polarizado atual. O surgimento de divisões partidárias, grupos de interesse e câmaras de eco nas mídias sociais reflete o faccionalismo que Madison buscava mitigar. Sua defesa de uma grande república e de um governo representativo oferece insights sobre como lidar com as divisões políticas modernas.
• Liberdade versus Segurança: O equilíbrio dos Federalistas entre um governo forte e a liberdade individual informa os debates contemporâneos sobre segurança nacional, vigilância e liberdades civis. Questões como coleta de dados governamentais ou poderes emergenciais durante crises refletem o desafio contínuo de manter a liberdade e, ao mesmo tempo, garantir a estabilidade.
• Influência Global: O modelo federalista de federalismo, separação de poderes e constitucionalismo influenciou sistemas democráticos em todo o mundo. Países como Canadá, Austrália e Alemanha adotaram estruturas federais, enquanto tribunais constitucionais em nações como África do Sul e Índia se baseiam no princípio da revisão judicial.
| A política nacional de desenvolvimento urbano e o federalismo brasileiro Ao apreciar o processo de “Auditoria na formulação, implementação e monitoramento de resultados da política pública de Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano” (TC 016.327/2017-9), o Tribunal de Contas da União prolatou o Acórdão 2359/2018-Plenário, em cujo relatório que o antecede consta, entre outras, as seguintes análises da política: III.1.1. A União desconhece o problema para o qual pretende contribuir e não há evidências de que tenha contribuição relevante, além da financeira, para a resolução do problema 49.Não foi realizado um diagnóstico da situação-problema a fim de que se conhecesse sua natureza, extensão e dimensão. Constatou-se também que a política pública não possui justificativa, isto é, não são claras as razões que levam a União intervir em pavimentação urbana municipal, e, além disso, a política pública não foi formulada com base em evidências. (…) 51.Contudo, a pergunta central que deveria ser respondida é se a União é a esfera de governo mais apropriada para efetuar tais análises, seja pela elevada dificuldade e custo que o um ente central terá para manter informações atualizadas sobre inúmeras realidades locais; seja pela dinâmica da condição da pavimentação municipal; seja pela matéria estar inserida na esfera de competência dos municípios; seja pela proximidade dos municípios com o problema, a aplicação dos recursos e com o público alvo; seja pela política pública contribuir para consolidação do desequilíbrio fiscal do pacto federativo (ao invés de buscar resolvê-lo); seja pelo alto custo de transação criado pelo modelo. (…) 54.Sendo a União o ente central de um país de proporções continentais como o Brasil, soa mais coerente se esperar uma atuação que efetivamente qualifique a aplicação do recurso municipal, fortalecendo a efetividade da atuação do município na área de planejamento e execução de obras de infraestrutura urbana. Por outro lado, parece fazer pouco sentido (e não foram apresentadas justificativas razoáveis) a União destinar recursos e controlar ações corriqueiras de pavimentação municipal, justamente o que vem sendo feito com a Ação 1D73. III.1.3. Não há evidências de que a Ação 1D73 seja a melhor forma da União contribuir para a resolver o problema de pavimentação municipal 72.Além de a política pública não ter sido formulada a partir de um diagnóstico apropriado, baseado em evidências, e não possuir objetivos válidos, não foram avaliadas diferentes alternativas de formatos para a política pública, com vistas a selecionar aquela que é mais custo-efetiva e que, consequentemente, gera maior valor público (isto é, aquela que entrega o resultado pretendido com o menor custo para a sociedade). (…) 75. É digno de menção que não se encontrou qualquer reflexão ou análise sobre aspectos do Pacto Federativo que dissessem respeito à Ação 1D73 e seu modelo de transferências, que apresentasse as razões de a União intervir em elementos pontuais de urbanismo, visto que é competência municipal executar as políticas públicas de desenvolvimento urbano (art. 182, caput, Constituição Federal). O fato de União estar apoiando permanentemente ações de interesse local, em razão de uma hipotética deficiência crônica e generalizada de recursos, sugere estar havendo um desequilíbrio no Pacto Federativo. Este aspecto deveria ser considerado na formulação de alternativas das políticas públicas. (…) |
Desafios aos Princípios Federalistas
Embora a estrutura federalista tenha se mostrado resiliente, ela enfrenta desafios na era moderna:
• Centralização de Poder: O crescimento do papel do governo federal em áreas como assistência social, regulamentação e segurança nacional gerou debates sobre se ele se alinha com a visão federalista de governo limitado. Programas como a Previdência Social ou a Lei de Assistência Médica Acessível excedem o escopo constitucional original.
• Erosão da Virtude Cívica: A ênfase de Adams em uma população moral e religiosa levanta questões sobre se as sociedades modernas mantêm o fundamento ético necessário para a autogovernança. A confiança decrescente nas instituições, a apatia política e a fragmentação cultural desafiam a premissa federalista de uma cidadania virtuosa.
• Globalização e Soberania: Em um mundo interconectado, o foco dos Federalistas na unidade e soberania nacionais enfrenta novas complexidades. Acordos internacionais, pressões econômicas globais e questões transnacionais exigem cooperação que pode entrar em conflito com os princípios federalistas rigorosos.
| Roosevelt e a 10ª Emenda. De acordo com o Centro para o Estudo do Federalismo, recontando a história do federalismo americano: “DÉCIMA EMENDA Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos por ela aos Estados, são reservados aos Estados, respectivamente, ou ao povo. (…) Este tema geral, com a Suprema Corte derrubando uma variedade de leis federais sob a autoridade da Décima Emenda, continuaria até 1937. As razões para a mudança na interpretação da Décima Emenda são muitas, mas o principal gatilho foi mais político do que legal. Depois que várias leis importantes do New Deal foram consideradas inconstitucionais, o presidente Franklin D. Roosevelt passou a acreditar que algo precisava ser feito em relação à Corte para salvar o New Deal. Após sua reeleição em 1936, o presidente Roosevelt propôs mudanças na composição do judiciário federal. Argumentando que os tribunais estavam sobrecarregados e cheios de juízes enfermos, Roosevelt propôs que, para cada juiz com mais de 70 anos, o presidente deveria ter direito nomear um juiz adicional para o tribunal onde o juiz sênior foi nomeado (até um máximo de quinze membros para a Suprema Corte dos EUA). Na época de sua proposta, seis dos nove juízes da Suprema Corte tinham mais de 70 anos. Consequentemente, se esse plano tivesse sido aprovado, o Presidente Roosevelt teria podido adicionar seis novos juízes à Suprema Corte e, ao fazê-lo, teria podido selecionar indivíduos que compartilhassem suas visões sobre o poder federal sob a Décima Emenda. O “plano de lotação do tribunal”, como ficou conhecido, nunca foi promulgado. No entanto, a ameaça à integridade do judiciário produziu os resultados que Roosevelt buscava. Em uma série praticamente ininterrupta de casos, começando em 1937 e durando até 1995, a interpretação da Décima Emenda e o escopo do poder federal sob a Cláusula do Comércio mudaram drasticamente. Embora a maioria das decisões anteriores a 1937 tenha usado a Décima Emenda para limitar estritamente o alcance do governo federal, começando com o caso National Labor Relations Board v. Jones e Laughlin Steel Corporação (1937), o escopo do poder federal foi autorizado a aumentar exponencialmente enquanto, ao mesmo tempo, a Décima Emenda foi relegada à insignificância prática.” |
Conclusão
Os Documentos Federalistas permanecem como um pilar do pensamento político, articulando uma visão de governança que equilibra força com moderação, unidade com diversidade e liberdade com ordem. Enraizados no liberalismo clássico, os princípios federalistas de direitos naturais, governo limitado, separação de poderes e federalismo moldaram a fundação dos Estados Unidos e continuam a influenciar os sistemas democráticos globalmente. Seus insights sobre a natureza humana, o desenho institucional e a virtude cívica oferecem lições atemporais para navegar pelos desafios da governança em um mundo complexo e em evolução. À medida que os debates sobre liberdade individual, autoridade governamental e valores sociais persistem, o apelo dos federalistas por um governo “por reflexão e escolha” continua sendo uma luz orientadora para aqueles que buscam preservar a liberdade e a justiça.
Textos selecionados
O FEDERALISTA N.º 10. A Utilidade da União como Salvaguarda contra a Facção e Insurreições Domésticas (continuação)
JAMES MADISON. 22 de Novembro de 1781
Ao Povo do Estado de Nova Iorque.
ENTRE as numerosas vantagens prometidas por uma União bem idealizada, nenhuma merece ser mais meticulosamente desenvolvida do que a sua tendência para quebrar e controlar a violência das facções. O adepto de governos populares nunca fica mais alarmado quanto ao carácter e destino deles do que quando contempla a sua propensão para este perigoso vício. Não deixará, portanto, de atribuir o devido valor a qualquer plano que, sem violar os princípios aos quais se devota, providencia um remédio adequado. A instabilidade, injustiça e confusão introduzidas nos conselhos públicos, têm sido, na verdade, doenças mortais sob cujos golpes os governos populares por todo o lado pereceram; tal como continuam a ser os tópicos favoritos e frutíferos de que os adversários da liberdade extraem as suas mais ardilosas declamações. Os valiosos aperfeiçoamentos introduzidos pelas Constituições americanas nos modelos mais populares, tanto antigos como modernos, certamente que não podem ser admirados em demasia; mas seria uma injustificável parcialidade argumentar que têm evitado o perigo vindo deste lado tão eficazmente como era desejado e esperado. Ouvem-se por todo o lado queixas dos nossos mais considerados e virtuosos cidadãos, igualmente amigos da honestidade pública e privada, e da liberdade pública e pessoal; que os nossos governos são demasiado instáveis; que o bem público é menosprezado nos conflitos de partidos rivais; e que as medidas são com demasiada frequência decididas, não de acordo com as normas da justiça e com os direitos do partido minoritário, mas pela força superior de uma maioria interessada e opressora. Por mais ansiosamente que possamos desejar que essas queixas não tenham fundamento, a evidência dos factos conhecidos não nos permite negar que elas sejam em parte verdadeiras. É verdade que, num simples reexame da nossa situação, descobriremos que algumas das aflições que nos esmagam foram erradamente imputadas à operação dos nossos governos; mas descobriremos, ao mesmo tempo, que outras causas não explicam por si sós muitas das nossas mais pesadas desditas; e, em particular, essa prevalecente e crescente desconfiança face às obrigações públicas, e inquietação relativamente aos direitos privados, que ecoam de uma ponta à outra do continente. Isto deve ser principalmente, se não totalmente, o efeito da instabilidade e injustiça com que um espírito faccioso tingiu as nossas administrações públicas.
Por facção entendo um determinado número de cidadãos, quer constituam uma maioria ou uma minoria face ao todo, que são unidos e animados por algum impulso comum de paixão, ou de interesse, adverso aos direitos dos outros cidadãos, ou aos interesses permanentes e globais
da comunidade.
Existem dois métodos para remediar os males das facções: um, eliminar as suas causas; outro, controlar os seus efeitos.
Por sua vez, existem dois métodos de eliminar as causas das facções: um, destruindo a liberdade que é essencial para a existência delas; outro, dando a cada cidadão as mesmas opiniões, as mesmas paixões e os mesmos interesses.
Do primeiro remédio, nada mais verdadeiro se pode afirmar do que ser ele pior do que a doença. A liberdade está para as facções como o ar está para o fogo, um alimento sem o qual ele instantaneamente se extingue. Mas não seria menor loucura abolir a liberdade, porque alimenta as facções, do que desejar a supressão do ar, que é essencial à vida animal, só porque ele dá ao fogo a sua capacidade destruidora.
O segundo recurso é tão impraticável como o primeiro seria insensato. Enquanto a razão humana continuar a ser falível e o homem tiver a liberdade de exercê-la, formar-se-ão diferentes opiniões. Enquanto subsistir a conexão entre a sua razão e o seu amor-próprio, as suas opiniões e as suas paixões influenciar-se-ão reciprocamente umas às outras; e as primeiras serão objetos aos quais as últimas se afeiçoarão. A diversidade das faculdades humanas, em que têm origem os direitos de propriedade, não é menos um obstáculo insuperável a uma uniformidade de interesses. A proteção dessas faculdades é o primeiro objectivo do governo. Da proteção de faculdades diferentes e desiguais de adquirir propriedade, resulta imediatamente a posse de diferentes graus e espécies de propriedade; e da influência destes nos sentimentos e pontos de vista dos respectivos proprietários, segue-se uma divisão da sociedade em diferentes interesses e partidos.
As causas latentes de facção estão assim disseminadas na natureza do homem; e as vemos por toda a parte conduzidas a diferentes graus de atividade, segundo as diferentes circunstâncias da sociedade civil. Um desvelo por diferentes opiniões a respeito da religião, a respeito do governo, e muitos outros pontos, tanto na especulação como na prática; uma fidelidade a diferentes chefes competindo por preeminência e poder; ou a pessoas de outros gêneros cuja sorte foi interessante para as paixões humanas, têm, sucessivamente, dividido a humanidade em partidos, inflamado estes com uma animosidade mútua, e têm-nos tornado muito mais dispostos para provocar e oprimir-se mutuamente do que para cooperar para o bem comum de todos. Tão forte é esta propensão da humanidade para cair em animosidades mútuas que, quando não se apresenta nenhuma razão de peso, foram suficientes as mais frívolas e extravagantes distinções para despertar paixões inamistosas e provocar os violentos conflitos. Mas a mais comum e duradoura fonte de facções tem sido a diversa e desigual distribuição de propriedade. Os que têm e os que não têm propriedade constituíram sempre interesses distintos na sociedade.
Os que são credores e os que são devedores enquadram-se numa discriminação semelhante. Um interesse terratenente, um interesse manufactureiro, um interesse mercantil, um interesse financeiro, com muitos interesses menores, desenvolvem-se todos necessariamente nas nações civilizadas, e dividem-nas em diferentes classes, movidas por diferentes sentimentos e pontos de vista. A regulamentação destes interesses, vários e em interferência, constitui a tarefa principal da
Legislação moderna, e envolve o espírito de partido e de facção nas necessárias e ordinárias operações do governo.
A ninguém é permitido que seja juiz em causa própria, porque o seu interesse decerto que influenciaria o seu discernimento, e não é improvável que corrompesse a sua integridade. Com igual, mais ainda, com maior razão, uma assembleia de homens não serve para ser simultaneamente juiz e parte; e todavia, o que são muitos dos mais importantes atos de legislação senão outras tantas determinações judiciais, que na verdade não respeitam aos direitos de pessoas singulares, mas respeitam aos direitos de vastos grupos de cidadãos? E o que são as diferentes classes de legisladores senão advogados e partes nas causas que eles próprios decidem? É uma lei respeitante a dívidas privadas? Trata-se de uma questão em que os credores estão de um lado e os devedores do outro. A justiça deve manter o equilíbrio entre eles. E todavia os partidos são, e devem ser, os próprios juízes; e deve esperar-se que prevaleça o partido mais numeroso, ou, por outras palavras, a facção mais poderosa. Devem as manufacturas domésticas ser encorajadas, e em que medida, por meio de restrições aplicadas às manufacturas estrangeiras? São perguntas que serão decididas de maneira diferente pelas classes terratenentes e manufactureiras, e é provável que nenhuma delas considere apenas a justiça e o bem público. A distribuição dos impostos pelos vários tipos de bens é um acto que parece requerer a mais rigorosa imparcialidade; e todavia, talvez não haja acto legislativo em que sejam dadas ao partido predominante tanta oportunidade e tanta tentação para menosprezar as regras da justiça. Cada centavo com que sobrecarregam os de menos posses é um centavo poupado para as próprias algibeiras.
É em vão que se diz que os estadistas esclarecidos serão capazes de harmonizar estes interesses desencontrados, e de os tornar a todos subservientes do bem público. Nem sempre estarão ao leme estadistas esclarecidos. E em muitos casos é absolutamente impossível conseguir essa harmonização sem ter em atenção considerações indiretas e remotas, que raramente prevalecerão sobre o interesse imediato que um partido pode obter por menosprezar os direitos de outro ou o bem de todos.
A inferência a que somos conduzidos é a de que as causas da facção não podem ser eliminadas; e que o lenitivo só pode ser procurado nos meios para controlar os seus efeitos.
Se uma facção não tem a maioria, o lenitivo é fornecido pelo princípio republicano, que permite à maioria derrotar os sinistros planos das facções através de votações regulares. A facção pode emperrar a administração, pode convulsionar a sociedade; mas será incapaz de fazê-lo mascarando a
sua violência sob as formas da Constituição. Por outro lado, quando a facção possui a maioria, a forma de governo popular permite-lhe sacrificar à sua paixão ou interesse, tanto o bem público como os direitos dos outros cidadãos. Proteger o bem público e os direitos privados contra o perigo de uma facção desse tipo, e preservar simultaneamente o espírito e a forma do governo popular é, pois, o grande objectivo para que se orientam as nossas investigações: Deixem-me acrescentar que é o grande desiderato, o único por meio do qual esta forma de governo pode ser salva do opróbrio que tão longamente pesou sobre ela, e ser recomendada à estima e à escolha da humanidade.
Por que meios se pode atingir este objectivo? Evidentemente por um de entre dois únicos meios. Ou a existência ao mesmo tempo da mesma paixão ou interesse numa maioria tem de ser impedida; ou a maioria, tendo essa paixão ou interesse coexistente, tem de ser, por meio do seu número e situação local, tornada incapaz de se concertar e levar a efeito esquemas de opressão. Se for tolerado que coincidam o impulso e a oportunidade, sabemos bem que não se poderá confiar em motivos morais ou religiosos como constituindo um controlo adequado. Estes não funcionam assim na injustiça e violência dos indivíduos, e perdem a sua eficácia em proporção ao número dos que juntamente se reúnem; isto é, na proporção em que a sua eficácia se torna necessária.
Desta maneira de ver o assunto pode ser concluído que uma Democracia pura, termo com que pretendo referir-me a uma sociedade consistindo num pequeno número de cidadãos, que se reúnem e administram o governo em pessoa, não pode admitir um remédio para as ações prejudiciais das acções. Em quase todos os casos, uma maioria do todo sentirá uma paixão ou terá um interesse comum; a comunicação e a concertação resultam da própria forma do Governo; e não existe nada para manter em respeito os incitamentos a sacrificar o partido mais fraco ou um indivíduo odioso. Por isso é que essas democracias deram sempre um espetáculo de turbulência e discórdia; e nunca foram consideradas compatíveis com a segurança pessoal ou os direitos de propriedade; e tiveram em geral vidas tão curtas como violentas foram as suas mortes. Os políticos teóricos, que patrocinaram essa espécie de governo, supuseram erradamente que dando aos homens uma perfeita igualdade de direitos políticos, estes ficariam, ao mesmo tempo, perfeitamente igualizados e assimilados nos bens, nas opiniões e nas paixões.
Uma República, e refiro-me a um governo no qual existe o esquema de representação, abre uma perspectiva diferente, e promete o remédio que temos estado a procurar. Examinemos os pontos nos quais ela varia em relação à Democracia pura, e compreenderemos tanto a natureza do remédio como a eficácia que terá, derivada da União.
Os dois grandes pontos de diferença entre uma Democracia e uma República são, primeiro, a delegação do governo, na última, a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos restantes; segundo, a maior quantidade de cidadãos e a maior esfera de território sobre o qual a última se pode estender.
O efeito da primeira diferença é, por um lado, refinar e ampliar os pontos de vista do público, filtrando-os através do meio de uma assembleia escolhida de cidadãos, cuja sageza pode discernir melhor o verdadeiro interesse do seu país, e cujo patriotismo e amor da justiça terá menor probabilidade de sacrificar esse interesse a considerações temporárias ou parciais. Com tais normas, pode muito bem acontecer que a opinião pública, expressa pelos representantes do povo, seja mais consonante com
o bem público do que se fosse expressa pelo próprio povo, reunido para o efeito. Por outro lado, o efeito pode ser inverso. Os homens de temperamento faccioso, com preconceitos locais, ou com desígnios sinistros, podem, por meio da intriga, da corrupção ou de outros meios, começar por obter os sufrágios, e em seguida trair os interesses, do povo. A questão resultante é saber se as repúblicas pequenas são mais favoráveis do que as grandes à eleição dos guardiães adequados do bem-estar
público; e é claramente decidida em favor das últimas por causa de duas considerações óbvias.
Em primeiro lugar, deve notar-se que, por mais pequena que possa ser a república, os representantes não devem ser demasiado poucos, de maneira a precaver contra as cabalas de uma minoria; e que, por maior que possa ser, devem ser limitados a um certo número, de maneira a precaver o tumulto das multidões. Por este motivo, não sendo o número de representantes nos dois casos proporcional ao número dos constituintes, e sendo proporcionalmente maior na república pequena, segue-se que, se a proporção de pessoas capazes na república maior não for inferior à da mais pequena, a primeira oferecerá mais opções, e consequentemente uma maior probabilidade de uma boa escolha.
Em seguida, como cada representante será escolhido por um maior número de cidadãos na república grande em comparação com a república pequena, será mais árduo para os candidatos sem mérito a prática com sucesso das artes viciosas por meio das quais as eleições são tantas vezes ganhas; e sendo mais livres os sufrágios do povo, será mais provável que se centrem em homens que possuem o mais atraente dos méritos e as personalidades mais expansivas e dotadas.
Deve confessar-se que nisto, como em muitos outros casos, há um termo médio, em ambos os lados do qual se encontrarão inconvenientes.
Alargando demasiado o número de eleitores, faz-se com que os representantes estejam pouco familiarizados com todas as suas circunstâncias locais e interesses menos importantes; tal como reduzindoos demasiado, se tornam aqueles indevidamente afectos a essas circunstâncias e interesses, e muito pouco capazes para compreender e promover objectivos grandes e nacionais. A Constituição federal constitui uma feliz combinação a este respeito; os interesses grandes e globais são confiados à legislatura nacional, os locais e particulares às dos Estados.
O outro ponto de diferença é o que o número de cidadãos e a extensão de território que podem ser abrangidos pelo Governo Republicano são maiores do que pelo Governo Democrático; e é principalmente esta circunstância que torna a combinação facciosa menos de temer no primeiro caso do que no segundo. Quanto menor é a sociedade, menor serão provavelmente os partidos e interesses distintos que a compõem; quanto menores os partidos e interesses distintos, mais frequentemente será encontrada uma maioria de um só partido; e quanto menor o número de indivíduos que formam uma maioria e menor a área em que estão situados, mais facilmente se concertarão e executarão os seus planos de opressão.
Alargue-se a esfera e admitir-se-á nela uma maior variedade de partidos e interesses; far-se-á com que seja menos provável que uma maioria venha a ter um motivo comum para usurpar os direitos dos outros cidadãos; ou, se existir um tal motivo comum, será mais difícil para todos os que o sentem a descoberta da sua própria força, e a atuação em uníssono uns com os outros. Além de outros impedimentos, pode observar-se que, onde existe uma consciência de desígnios injustos ou desonrosos, a comunicação é sempre contida pela desconfiança na proporção do número daqueles cuja concorrência é necessária.
Por este motivo, é claramente patente que a mesma vantagem que uma República tem sobre uma Democracia, no controlo dos efeitos da facção, é desfrutada por uma grande República mais do que por uma pequena, — é desfrutada pela União mais do que pelos Estados que a compõem. Consiste esta vantagem na substituição dos Representantes, cujos pontos de vista esclarecidos os põem acima dos preconceitos locais e dos esquemas de injustiça? Não se negará que a Representação da União possuirá provavelmente esses dotes indispensáveis. Consiste na maior segurança proporcionada por uma maior variedade de partidos, contra a eventualidade de um partido qualquer ser capaz de exceder em número e oprimir os restantes? A acrescida variedade de partidos abrangida pela União aumentará em igual medida essa segurança. Consiste, por fim, nos maiores obstáculos opostos à concertação e realização dos desejos secretos de uma maioria injusta e interesseira? Aqui, uma vez mais, a extensão da União dálhe a vantagem mais palpável.
A influência de chefes facciosos pode despertar uma chama no interior dos seus Estados particulares, mas será incapaz de espalhar uma conflagração generalizada através dos outros Estados: uma seita religiosa pode degenerar numa facção política numa parte da Confederação; mas a variedade de seitas dispersas por toda a superfície dela deve proteger as assembleias nacionais contra qualquer perigo com essa origem: uma paixão pelo papel-moeda, pela abolição das dívidas, pela igual divisão da propriedade, ou por qualquer outro projeto impróprio ou malévolo, será menos capaz de se infiltrar na totalidade do corpo da União do que num membro particular dela; na mesma proporção em que uma doença dessas infecta um condado ou distrito particular mais provavelmente do que um Estado inteiro.
Por conseguinte, na extensão e conveniente estrutura da União contemplamos um remédio Republicano para as doenças que mais afetam o Governo Republicano. E conforme o grau de prazer e orgulho que sentimos em ser Republicanos, assim deveria ser o nosso desvelo em acalentar o espírito e apoiar a reputação dos Federalistas.
PUBLIUS.
Perguntas de Reflexão
1. De que maneiras os Federalist Papers abordam preocupações sobre o poder excessivo do governo central?
2. Como controlar as facções em uma realidade como a brasileira?
3. Como os fatos descritos no quadro sobre a ‘Funasa e o federalismo brasileiro’ podem ser entendidos à luz das ideias do Federalist paper n. 10.
4. Como os fatos descritos no quadro sobre a ‘política nacional de desenvolvimento urbano e o federalismo brasileiro’ podem ser entendidos à luz das ideias do Federalist paper n. 10.
5. O Brasil vive uma ditadura do poder Judiciário (especialmente do Juiz da Suprema Corte Alexandre de Moraes) , em conluio com o chefe Poder Executivo (Luiz Inácio Lula da Silva). Se você fosse responsável por uma reforma constitucional, quais mudanças você proporia para a Constituição brasileira para consertar tal situação?
6. Reflita sobre a análise de Madison, no Artigo Federalista nº 10, sobre as facções serem inevitáveis devido à diversidade humana — de que maneiras isso poderia explicar a ascensão das políticas de identidade e das divisões partidárias nos cenários políticos polarizados de hoje?
7. Como o conflito entre Hamilton (interpretação ampla) e Madison/Jefferson (interpretação restrita) da Constituição se relaciona com os debates contemporâneos sobre originalismo versus constitucionalismo vivo?
8. Que insights o alerta de Madison de que aceitar a visão de Hamilton tornaria o governo “não mais limitado a poderes enumerados, mas sujeito a exceções específicas por tempo indeterminado” oferece para as preocupações com a expansão federal contemporânea?
9. Como os alertas dos federalistas sobre a tirania centralizada podem orientar as reflexões sobre a expansão dos poderes federais na regulação econômica atual, particularmente em respostas a desafios globais como as mudanças climáticas ou a desigualdade econômica?

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